Estatais estudam usar dinheiro de loterias para sair da crise

Correios e o Ministério do Turismo estudam alternativas para se financiar
Bianca Bion
Publicado em 09/04/2017 às 7:01
Correios e o Ministério do Turismo estudam alternativas para se financiar Foto: Foto: Fotos Públicas


Os Correios e o Ministério do Turismo se juntaram a milhões de apostadores que sonham em mudar de vida com um prêmio da loteria. Recentemente, anunciaram que estudam maneiras para se beneficiar da sorte, com a criação de uma loteria própria ou com a tomada de parte dos recursos de apostadores em loterias da Caixa Econômica Federal (CEF).


Em 2016, o banco arrecadou R$ 12,6 bilhões em apostas. Após uma intensa crise econômica, que provocou um déficit de R$ 129 bilhões nas contas públicas em 2017, uma saída fácil parece ser a aposta.

A Caixa detém o monopólio da exploração das loterias desde 1962. Do total arrecadado, R$ 6,1 bilhões foram destinados a programas sociais, em áreas como esporte, educação, cultura, segurança e seguridade social. O resto é usado em prêmios e na manutenção do próprio sistema. A distribuição dos recursos é regularizada pelas portarias nº 30/2008 e nº 129/2015 do Ministério da Fazenda.

Com um rombo de R$ 2 bilhões registrado no ano passado, os Correios, que estiveram no centro do escândalo do mensalão durante o primeiro governo Lula, estudam maneiras de se modernizar e de aumentar a arrecadação de receitas. O presidente da estatal, Guilherme Campos, afirma que isso é possível porque a empresa está presente em todo o Brasil e possui capilaridade.

Já o Ministério do Turismo vai transformar o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) na Agência Brasileira de Promoção do Turismo (Abratur). Para financiar a iniciativa, espera utilizar dinheiro de loteria federal. Procurado pelo JC, o órgão afirmou que defende a modernização do modelo de gestão da Embratur e vai divulgar, na próxima terça-feira (11), a primeira fase do pacote de medidas para fortalecer o setor.

“O governo e as empresas estão procurando fontes de recursos. Com a recessão, as despesas não caem na mesma proporção que a receita. Fica essa diferença. Eu acho que a loteria é uma possibilidade sim, mas, principalmente no caso dos Correios, é preciso analisar fontes de renda maiores”, comenta o presidente do Conselho Regional de Economia de Pernambuco, Fernando Aquino.

Entre as sugestões feitas, está a de tributar os dividendos de ações, com a alegação de que alcançaria pessoas mais ricas e arrecadaria um volume maior, como era feito até os anos 90. “Eu acho que com uma alíquota de 15%, poderia ser arrecadado algo em torno de R$ 50 bilhões por ano”, complementa Campos.

O consultor econômico Raul Velloso defende o uso desse dinheiro para fins sociais. “Se tomada a decisão de ter loteria, eu acho que realmente se devia usar o dinheiro para área social. Previdência é um gasto importante para essa área. O potencial de receita é baixo e o problema da previdência é muito grande, mas a gente aprende que vai pegando onde consegue”. Ano passado, a Seguridade Social, que compreende a previdência, saúde e assistência social, recebeu R$ 2,1 bilhões.

Um problema é que o lucro com as loterias está caindo, devido ao cenário econômico. Em 2016, caiu 13% em relação a 2015. “Caiu porque a população não tem renda, está endividada e dando prioridades a comprar outras coisas, como comida e remédios. Não vejo como um caminho para o Brasil liberar outros tipos de loteria se não tiver fim social”, comenta o professor de Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, Fabio Gallo.

A Caixa também busca ampliar a arrecadação com a modernização do sistema de aposta. A estatal estuda o lançamento do projeto Loterias na internet e Loterias Mobile ainda este ano. Os repasses sociais previstos em lei permanecem inalterados.

JOGOS DE AZAR

Outra alternativa estudada para aumentar a arrecadação do governo é a liberação dos jogos de azar. Segundo o Instituto Jogo Legal, esse mercado já movimenta R$ 20 bilhões por ano no País. Com a legalização, o número pode saltar para cerca de R$ 60 bilhões por ano.

Participar ou estabelecer jogos de azar, como bingo e jogo do bicho, é considerado uma contravenção penal, previsto no decreto-lei nº 3688 de 3 de outubro de 1941. A pena para quem participa é de multa, que varia entre R$ 2 mil e R$ 200 mil. Atualmente, há dois projetos que falam sobre mudanças na legislação sobre jogos de azar: o Projeto de Lei do Senado nº 186/14 e o Projeto de Lei nº 442/91 da Câmara dos Deputados.

“A vantagem do jogo legalizado é gerar investimento. O Estado e o governo arrecadam, a sociedade se beneficia e você formaliza os 450 mil empregos, que já existem, hoje, no jogo do bicho, e gera 150 mil novos postos”, diz o presidente do Instituto Jogo Legal, Magno José.

Já o professor de Finanças da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, Fabio Gallo, defende que a discussão deve passar pelo lado social. “A discussão tem que ser no âmbito da sociedade brasileiro. Tem países que não têm a economia melhor porque o jogo liberado, como é o exemplo do Panamá”, afirma. “Explorar o jogo em uma região restrita, que possua vocação para isso, é diferente. Por exemplo, criar uma Las Vegas no País pode trazer renda para a região”, complementa.

É preciso conscientizar a população sobre os riscos do jogo anos antes da liberação dos jogos, diz o psiquiatra e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Tiago Queiroz. “A compulsão pelo jogo, conhecido como jogo patológico, leva a problemas de saúde e financeiros. Nos consultórios, é cada vez mais comum encontrar jovens dependentes de jogos online. Tem gente que não sabe que existe dependente de jogo” comenta.

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