Há seis meses, quando assumiu a Presidência da República, Jair Bolsonaro tinha a seu favor expectativas positivas em relação às reformas que, em tese, levariam o País a retomar o caminho do crescimento. A confiança dos empresários e consumidores estava em alta, mas bastaram poucas semanas para as incertezas voltarem e para a confiança retroceder, até chegarem aos níveis de pré-eleição.
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Hoje, o que se tem é um primeiro semestre de economia estagnada, com uma queda de 0,2% no primeiro trimestre e projeções de alta de 0,4% para o segundo, que resultarão num crescimento fraco ao final do ano. Com isso, as previsões de crescimento do PIB, que começaram o ano em 2,5% caíram para os atuais 0,87%, segundo o Boletim Focus do Banco Central, que ouve os principais agentes de mercado.
Nenhum dado macroeconômico melhorou. As taxas de desemprego recrudesceram, estão em 12,5%, segundo os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São 13,4 milhões de desempregados, e outros 4,9 milhões em desalento. O endividamento das famílias bate recordes a cada mês que a Confederação Nacional do Comércio (CNC) divulga seus dados.
Tudo isso contribui para um cenário de pouca demanda: consumo em baixa, investimentos adiados. Um movimento que, olhando em retrospectiva, era até previsível, diz Fábio Klein, economista da Tendências Consultoria.
“A grande deterioração das expectativas aconteceu porque eram muito altas. Quando é assim, a queda é grande também. A gente sabia que seria um governo complicado, de partido pequeno, estilo novo de nomeação, isso dava uma luz”, diz o analista, observando que o quadro ruim da economia não tem a ver com o atual governo. “Mas há uma ausência de ações de curto prazo, estamos passando por um processo duro de estagnação, e uma coisa contamina a outra. Nesse sentido, o governo tem uma parcela de culpa.”
O quadro de letargia dos primeiros meses de Bolsonaro no poder é, portanto, contaminado pela política. “O ponto de frustração das expectativas reflete o driver (estímulos) de curto prazo. O setor público não tem mais espaço fiscal, e isso se soma às incertezas em relação ao avanço das principais reformas”, completa Klein.
ATRITOS
O presidente escolheu se manter em campanha, usando o discurso da “nova política” para atacar o Congresso. A postura trouxe ruídos sobre a aprovação da reforma da Previdência. A confiança do mercado voltou após Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, conseguir protagonismo na matéria e fazer o projeto andar na Casa. A expectativa é que o texto passe pelo plenário em duas semanas, quando, aí sim, o semestre poderá ser finalizado na Câmara.
O atrito constante entre o Executivo e o Legislativo foi o principal ponto de incertezas, mas há também outros problemas que vêm de dentro do governo e que causam desconfianças sobre a estabilidade do próprio governo. “O número mudanças de secretários, presidentes de estatais, ministros. Tudo isso polui o ambiente”, diz Klein. A última demissão, de Joaquim Levy da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), foi a mais sensível aos olhos do mercado, justamente porque Levy é um técnico, assim como o ministro da Economia, Paulo Guedes.
A decisão lançou novas dúvidas sobre o real compromisso do governo com o problema fiscal e, para alguns, enfraqueceu Guedes.
O episódio da caixa-preta do BNDES não é o único foco de críticas à condução da política econômica de Bolsonaro. O deputado federal Tiago Mitraud, do Novo de Minas Gerais, partido que dá apoio à agenda liberal do governo na economia, usou o Twitter para cobrar ações. “Quais os grandes problemas do País? Desemprego, estagnação econômica, infraestrutura deficitária, péssima educação, economia fechada, incertezas e custo para empreender, e por aí vai... As prioridades do Planalto? Radares, CNH, caça às bruxas e, agora, Fórmula 1! #FocoNaSolução”, tuitou o deputado.
QUESTÕES
Há outros fatores que também seguram a economia e que são alheios ao governo. A tragédia do rompimento da barragem de Brumadinho (MG) é o principal exemplo disso, um acontecimento trágico que afetou negativamente a indústria extrativista brasileira.
“A Previdência é importante para reduzir o desemprego. A reforma é um tema complexo no Brasil e na maior parte do mundo, mas virou unanimidade entre os economistas da academia e do mercado financeiro. Há os trâmites do Congresso, ela será aprovada, mas não é tudo. A reforma da Previdência é uma condição necessária, mas não suficiente”, diz o pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV Marcel Balassiano sobre as outras questões que também emperram a economia brasileira.
Balassiano observa que a reforma sendo aprovada não haverá crescimento do PIB no dia seguinte. “Vamos apenas parar de piorar”, diz. Segundo estudo do Ministério da Economia, num cenário sem reforma, a dívida do Brasil que hoje é cerca de 80% do PIB passaria para 100% já em 2023. Com a reforma, esse quadro se estabilizaria. Outro dado é que, passando a proposta de ajuste das aposentadorias, o PIB teria potencial de crescer 3% ao ano no período e, sem ela, a recessão voltaria em 2021, com desemprego passando dos 15%. Com a reforma, a expectativa é que o desemprego caia para 8%.
Apesar dos diversionismos, o trâmite da Previdência no Congresso ajudou o Brasil a ficar mais atraente ao investidor internacional. Metade do dinheiro da Bolsa vem do estrangeiro. Com o banco central americano (FED) sinalizando queda nos juros, os países emergentes voltaram ao radar, e a preocupação brasileira em melhorar seus fundamentos fiscais atraiu quem procura juros maiores dentro de uma margem de risco confiável. Esses fatores ajudaram a Bolsa brasileira a ultrapassar o nível histórico de 100 mil pontos, há 10 dias.
A guerra comercial entre os EUA e a China, no entanto, atrapalha o crescimento. São as maiores economias do mundo brigando, reduzindo o comércio internacional. Além disso, China e EUA são os maiores parceiros comerciais do Brasil. O acordo de livre-comércio do Mercosul com a União Europeia, assinado na sexta-feira (28), não mudará esse quadro por enquanto.
CICLOS
O economista da Federação do Comércio de Pernambuco (Fecomércio-PE) Rafael Ramos destaca que o governo Bolsonaro tem o apoio maciço de todo o setor produtivo, mas faltaria, ainda, na sua visão, o governo ir além da tecla da reforma, condição básica para qualquer retorno de investimentos. “A máxima do investidor para minimizar riscos é diversificar. É isso que está faltando ao governo. O empresariado espera outras políticas fortes, voltadas para desburocratização, crédito, reforma tributária”, lembra.
Paulo Guedes anunciou algumas novidades, como a liberação de R$ 100 bilhões dos compulsórios dos bancos e até mesmo a liberação do FGTS para estimular o consumo, nada ainda implementado. A Previdência continua o carro-chefe, como no início do governo, mas o segundo semestre esta aí. A diferença agora é que a expectativa é baixa.