Governo Bolsonaro

Seis meses do governo Bolsonaro - Congresso

Com relação conflituosa, parlamentares assumiram protagonismo para criar agenda própria

Mirella Araújo
Cadastrado por
Mirella Araújo
Publicado em 30/06/2019 às 6:49
AFP
Com relação conflituosa, parlamentares assumiram protagonismo para criar agenda própria - FOTO: AFP
Leitura:

Egresso da Câmara dos Deputados, onde atuou como deputado federal por sete mandatos (1991 a 2018), Jair Bolsonaro (PSL), ao se eleger presidente da República, parece ter esquecido do princípio básico da governabilidade: a necessária relação estreita com o Parlamento. Desde a posse, em 1º de janeiro, ele tem protagonizado duros embates com o Congresso Nacional, em defesa de uma das suas principais bandeiras de campanha; o fim do toma lá da cá. Em seis meses de governo, a falta de articulação com os parlamentares continua sendo uma queixa pertinente nas bancadas do Legislativo. Ao erguer a bandeira de anti-corrupção, sem amarras partidárias, Bolsonaro tem colocado o sistema de presidencialismo de coalização como um grande vilão na sua gestão.

Enquanto isso, o Congresso vem assumindo a dianteira do País e impondo ao presidente importantes desgastes e derrotas. “Em termos de aprovações e medidas efetivas que levem à mudança no Brasil, exceto pela reforma da Previdência que seria bom para a Economia, elas ainda não saíram. O governo de Bolsonaro foi eleito com a ideia da nova política, mas se você não atua de forma direcionada com os deputados cria dificuldades”, explica o cientista político e professor de relações internacionais da Faculdade Damas, Antônio Henrique Lucena. “O presidente tem poderes, mas ele dependente do Legislativo”, completa.

Bolsonaro já sentiu na pele essa dependência. Sob o risco de atrasar o pagamento de aposentadorias e benefícios sociais, o governo teve que, durante várias semanas, buscar um acordo para o impasse em torno do crédito suplementar que destravava essas despesas sem violar a chamada “regra de ouro” do Orçamento. O extra de R$ 248,9 bilhões foi aprovado às vésperas do fim do prazo, após apelos do presidente e do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Envolto nessa turbulenta relação com o Congresso, Bolsonaro já chegou a afirmar que o Legislativo passa a ter cada vez mais “superpoderes” e que quer deixá-lo como a “rainha da Inglaterra”, que reina, mas não governa. “Pô, querem me deixar como rainha da Inglaterra? Este é o caminho certo?”, indagou. O questionamento foi em referência a um projeto da Câmara que transferiria a parlamentares o poder de fazer indicações para agências reguladoras.

Em resposta, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), amenizou. “Ninguém está querendo suprimir o papel do presidente da República nem as suas prerrogativas. Até porque tem muitos projetos que nós dependemos do Poder Executivo”, afirmou.
“O Congresso tem assumido o papel de protagonista por conta da distância de Bolsonaro com as lideranças partidárias. Essa aproximação poderia ser feita de duas formas, pelo Executivo, o que não ocorre, e pela liderança do governo ou do partido na Casa. Mas o PSL é um partido sem unidade interna, o que dificulta ainda mais esse processo”, avalia o cientista político Alex Ribeiro.

Somada à falta de articulação, volta e meia Bolsonaro foi “vítima” dos filhos e da disputa entre os militares e os ideológicos do governo. Escândalos também melindraram o presidente, como o caso Queiroz – ainda sem desfecho.
Ainda segundo Ribeiro, as lideranças do Congresso – Maia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) – estão atentos a essa atmosfera insólita, tomando a frente de pautas importantes para a retomada do crescimento do País, como a articulação para a aprovação da reforma da Previdência e a tramitação da reforma tributária. “Esta é uma oportunidade de protagonismo do Congresso que pode ter consequências nas próximas eleições”, diz.

Exemplo mais recente é a aprovação de um texto pelo Senado que tira a validade de dois decretos presidenciais sobre porte e posse de armas. “Ora recebo crítica do Parlamento que não mando projeto para lá ora, se mandar um outro [PROJETO]agora atrapalha a Previdência. Eu levo pancada o tempo todo”, reclamou Bolsonaro no sábado (22). Na terça-feira (25), ele revogou o decreto.

Especialistas avaliam que o recuo do presidente pode ser os primeiros sinais de que ele busca uma nova maneira de governar e deixar para trás a difícil relação com o Congresso até aqui. Nos últimos dias, demitiu dois ministros, modificou as funções de três das quatro pastas que ficam no Palácio do Planalto e anunciou pessoalmente a troca de comando em duas estatais: o BNDES e os Correios.

No primeiro semestre como presidente, Bolsonaro adotou um modo oscilante na maneira de governar. Agora, tem demonstrado maior descontração nas aparições públicas. A mudança de humor, na avaliação de aliados, foi influenciada pelas manifestações pró-governo de maio.

Apesar de uma melhora de clima, assessores presidenciais não acreditam que ele vá adotar de forma constante uma versão “paz e amor”. Sua popularidade vem caindo. Segundo o Ibope/CNI, a avaliação negativa do governo subiu 21 pontos nos cinco meses, de 11% para 32%.

“A opinião pública ainda está paciente com o governo. O que pode ser a curto prazo, caso a economia não volte a crescer”, alerta Alex Ribeiro. Mas isso serão cenas para o próximo semestre.

PARLAMENTARES

Aliados do presidente Jair Bolsonaro (PSL) justificam não só o estremecimento das relações entre o Executivo e o Legislativo, como as polêmicas exonerações da sua equipe ministerial – Ricardo Vélez (Educação), Gustavo Bebianno (Secretaria Geral da Presidência), Santos Cruz (Secretaria de Governo), além de Joaquim Levy (BNDES), Franklimberg Ribeiro de Freitas (Funai) e Juarez de Paula Cunha (Correios) – como algo “natural de uma gestão que está se ajustando” sem aprofundarem episódios específicos.

Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), destacou ações importantes do governo, principalmente em benefício a Pernambuco e à região Nordeste. “O Plano Nacional de Segurança Hídrica, lançado em abril, em Petrolina (PE), constitui uma verdadeira carteira de obras para elevar a oferta de água. Presente no Plano, o Ramal do Agreste, por exemplo, recebeu cerca de R$ 200 milhões em investimentos até junho de 2019. Junto com o Plano de Desenvolvimento do Nordeste, que o presidente Jair Bolsonaro apresentou no Recife na sua primeira visita à região, em maio, o governo dispõe de instrumentos estratégicos para impulsionar o desenvolvimento regional”, afirmou. “Destaco que o Congresso Nacional está fazendo a sua parte, avançando na agenda econômica neste novo ciclo político inaugurado pelo presidente Jair Bolsonaro”, finalizou.

Para o presidente nacional do PSL, o deputado federal Luciano Bivar, “os ruídos no Congresso não afetam o calendário das propostas do governo”. “Esses seis meses tem sido muito positivos, o Congresso esta sensitivo em relação à necessidade das reformas como a tributária, a da Previdência, e os anseios do povo brasileiro”, defendeu Bivar.

“Hoje, o parlamento entende que a administração pode ser feita com técnicos, embora não significa que não possa ter políticos como ministros. Ele também não exige que determinados partidos para apoiar esse ou aquele plano de governo tenham que ter ministérios”, completou o presidente do PSL.

O governo tem dialogado com frentes pontuais, como a chamada bancada da bala, em defesa da flexibilização do porte e posse das armas de fogo; a ala conservadora e evangélica em prol da família; e a bancada ruralista, mas isso não tem garantido a ele uma base sólida. “Na campanha do presidente, ele alavancou um número expressivo de políticos, mas que não eram oriundos de uma produção programática. O PSL não pode ser comparado a bancada do PT, nem mesmo do PSOL, que é pequeno, mas em expressão tem uma série de bandeiras que mobilizam a opinião pública nacional. Sem proposta clara, há dificuldade de articulação”, avalia o cientista político Artur Leandro.

Nesse formato, ele diz que mesmo o Legislativo sendo uma instância de baixa popularidade no Brasil, ele acaba assumindo uma postura que seria do Executivo. “Ao colocar uma agenda própria e de destravamento, o Legislativo ocupa esse lugar”, frisou.

Últimas notícias