- Além das discussões em torno dos impactos arrecadatórios e de distribuição que as propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional poderão trazer, o horizonte de mudanças nessa área tão complexa da economia brasileira também deveria reverberar seus impactos sobre o mercado de trabalho, ou melhor, no que está à sombra dele: a informalidade. No Brasil os informais já são recorde, chegando a 38,8 milhões de pessoas até o terceiro trimestre de 2019, e diminuir a informalidade requer geração de novos postos de trabalho, que por sua vez demandam um sistema tributário menos complexo e menos oneroso para existirem.
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As duas principais propostas de reforma tributária atualmente em pauta (PEC 45 e PEC 110) debruçam-se sobre a redução da complexidade do sistema. Em um único imposto, nomeado por aqui de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), pretende-se agrupar, respectivamente, cinco ou até nove impostos já existentes no País, sem reduzir o valor arrecadado e fazendo uma balanceamento das alíquotas repassadas a estados, municípios e União. Isso, para alguns tributaristas, pode causar o efeito contrário e até mesmo aumentar a carga tributária.
“De fato, vai simplificar. Mas outro aspecto é que a carga tributária ainda vai ser alta. Eu, particularmente, ainda acredito que ela vai aumentar. Hoje congressistas defendem que não, mas eu defendo que sim porque a alíquota do novo imposto não é suficiente para manter a mesma arrecadação dos cinco tributos que poderão ser extintos. O IBS já nasce com alíquota de 25% - a maior do mundo. Só países como Dinamarca, Noruega e Islândia têm essa alíquota, nenhum outro tem. No Japão é 8%, na frança é 18%, a nossa já nasce em 25% e não vai ser suficiente”, avalia o professor e advogado tributarista Eric Castro e Silva.
Se o peso dos tributos não muda, não há muitos efeitos práticos para que surjam de forma mais fluida novos investimentos e, consequentemente, postos de trabalho. “Quando a gente fala em informalidade em razão do aspecto tributário, ela se dá por dois motivos: primeiro, porque pagar tributo é muito oneroso. No Brasil paga-se bem mais do que na média de países do mesmo nível econômico, pagamos mais que o dobro se comparado aos vizinhos da América Latina. Segundo, é que o sistema é muito complexo. O Brasil tem, de acordo com o Banco Mundial, a carga tributária mais complexa do mundo”, explica o tributarista.
Na visão do presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, justamente pela carga tributária alta há uma perda muito grande de arrecadação. “Temos plena convicção de que se existe informalidade, pirataria e sonegação no Brasil é por conta da questão da carga tributária alta e do sistema complexo. O sistema atual leva efetivamente a um valor de arrecadação muito alto, mas ao mesmo tempo estimula o não pagamento. Se tudo que não é recolhido fosse pago, a carga tributária no Brasil chegaria a 60% do PIB. Hoje, está em torno de 35%”, exemplifica Olenike.
No Brasil, paga-se a três fiscos diferentes (União, Estados e municípios), se operar em mais de um município, uma empresa pode chegar a mais de 5 mil fiscos. Tudo isso sem saber se o que está pagando é correto, porque a qualquer momento a legislação muda e o contribuinte pode ser autuado. “A reforma pretende atacar apenas o custo de compliance, simplificando o recolhimento.”, pondera Castro e Silva.
Alto custo dos tributos
Conforme estudo feito pelo Ipea, a unificação dos impostos, na verdade, já nasceria com uma alíquota de quase 27% para manter a mesma arrecadação atual. Uma saída para redução dessa alíquota, conforme o Ipea, seria ampliar o escopo de tributação na renda, a exemplo de mudanças no IRPF. “É preciso salientar que a reforma tributária é importante não apenas para o mundo dos negócios e para eliminar a guerra fiscal, como tem se repetido exaustivamente nos últimos anos, mas também para reduzir graves desequilíbrios fiscais federativos”, resumem os pesquisadores Rodrigo Octávio Orair e Sérgio Wulff Gobetti.
Segundo o presidente do IBPT, a sonegação já é um ato natural de muitas pessoas, tendo ou não carga alta, e o que se propõe como reforma não resolve a questão da informalidade no País. “Efetivamente as empresas só entrarão no que podemos chamar de ‘mundo real’ (formalização) se houver diminuição da carga tributária. O governo tem aí a grande oportunidade de trazer esse pessoal para dentro, mas prefere pagar o valor de um espetáculo de luxo para devolver coisa muito ruim em forma de serviço. Primeiro de tudo vem sempre a arrecadação, o governo tem política de arrecadação e não de manutenção das fontes, como empresas e cidadão”, reclama.
Excluída da reforma, mas na conta que pesa para a geração de emprego está, por exemplo, a tributação da folha salarial. “Hoje, sobre a folha de salário, o empregado paga em média 25% e o empregado até 11% do salário. É caríssimo! Por isso, todo mundo quer ser pessoa jurídica. Paulo (Guedes, ministro da Economia) fala em desonerar a folha de salário, mas ainda não se chegou numa fonte para isso. A complexidade do sistema está sendo atacada pela reforma, mas a onerosidade ainda não. Só dá para baixar a carga tributária, se o Brasil gastar menos. Reduzir custo com pessoal, com tudo. Já temos carga altíssima e a conta ainda não fecha. Enquanto não diminuir isso, não se pode diminuir a receita (arrecadação), senão aumenta o buraco”, afirma Eric Castro e Silva.