Um dos maiores especialistas em agricultura do País, Roberto Rodrigues, coordenador de agronegócio da FGV, traçou, a pedido do JC, um paralelo entre Brasil e França em matéria de produção de alimentos. Rodrigues foi ministro da Agricultura entre 2002 e 2006 (primeiro governo Lula).
JORNAL DO COMMERCIO - Somos grandes exportadores de matéria-prima, mas porque não conseguimos ser tão eficientes em se tratando de agricultura familiar, como os franceses?
ROBERTO RODRIGUES - Porque eles têm subsídios brutais. O pequeno produtor familiar europeu, hoje, não é um produtor. Na verdade é um tomador de subsídios. A renda deles não seria suficiente para sobreviver se não fossem os subsídios. Outra razão é que eles são muito organizados politicamente em suas associações e cooperativas e conseguem influenciar as decisões.
JC - No contexto mais macropolítico, qual a grande diferença entre eles e nós?
RODRIGUES - A diferença é que a sociedade urbana europeia tem plena consciência do papel relevante dos agricultores para estabilidade econômica, social e até política do continente. Por que há subsídios? Porque os agricultores são bonitinhos? Não. Os governos, representando a sociedade de cada país, partem da premissa que só há equilíbrio social e garantia de segurança alimentar se os agricultores tiverem renda.
JC - Inclusive para que eles fiquem no campo...
RODRIGUES - Exatamente. Se não vai todo mundo embora. A garantia de renda para os agricultores europeus, de qualquer tamanho, é a única forma que os governos encontram para manter a segurança alimentar. Se não o cara vai para a cidade engrossar os problemas sociais. Acontece o mesmo nos Estados Unidos, Austrália, Japão...Eles acham que são estáveis e ricos porque garantem a agricultura e não o contrário. E depois criaram elementos de exportação que fazem a composição da balança comercial de cada um. Eles têm uma visão diferente quanto ao fundamental papel social e político da agricultura.
JC - Um aspecto em defesa deles é a qualidade. A França, por exemplo, se destaca em queijos, vinhos, mostarda, carne, leite e por aí vai. O governo estimula programas que garantem a excelência dos produtos. A gente um dia chega num patamar destes?
RODRIGUES - Nós estamos hoje num patamar de tecnologia tropical que é a melhor do mundo. A sustentabilidade de nosso produto agrícola é reconhecida no mundo todo, razão pela qual crescemos tanto no mercado internacional. Basta ver que no ano 2000 nós exportamos o equivalente a US$ 22 bilhões. E no ano passado, US$ 84 bilhões. E vale lembrar que pegamos um período de crise. Entre 2008 e 2010, a crise internacional reduziu o comércio no mundo. E mesmo assim nós crescemos. Esta nossa competitividade é garantida pela tecnologia.
JC - Mas ainda somos basicamente exportadores de commodities, de matéria-prima...
RODRIGUES - Claro que ainda temos alguns gargalos na área de defesa sanitária, na área de agregação de valores. Para resolver, precisamos de uma estratégia articulada de políticas públicas e atuação privada: desde a política de renda adequada para o campo que considere o crédito, o seguro, os preços mínimos e os leilões de opção. Na área de renda, precisamos de um sinal claro de renda estável na agricultura. Precisamos de uma política comercial que seja mais agressiva através de acordos bilaterais com importantes países consumidores, uma política de tecnologia que dê mais condições de aumentar a produtividade por hectare. Na área sanitária e ambiental, precisamos negociar e eliminar toda e qualquer ressalva que exista da parte dos países consumidores. Além disso, uma questão essencial é termos uma estrutura logística que vise mais competitividade quando o produto sai das fazendas e uma reformulação de muitas leis que estão erradas no Brasil, como a trabalhista e ambiental, que já são velhas, e que flexibilize as interações do campo com o urbano e com o Estado.
JC - Em quanto tempo poderíamos atingir a excelência?
RODRIGUES - É quase impossível responder. Se estivéssemos com tudo isso funcionado, poderíamos dar a volta por cima em quatro, cinco anos. Mas é preciso que tudo funcione junto.
JC - O protecionismo ainda é o principal entrave para os acordos bilaterais e os acordos entre blocos, como o Mercosul e a União Europeia?
RODRIGUES - Claro, claro. Os países ricos não querem abrir mão do protecionismo porque isso abriria espaço para os outros crescerem muito mais, com prejuízo para seus produtores locais. É uma luta dificílima que só terá resultado positivo para nós [O BRASIL]se a fome começar a crescer no mundo. Essas migrações malucas que estão acontecendo do Oriente Médio e da África para a Europa, que a gente vê gente morrendo no Mediterrâneo, se deve à fome. De modo que é muito provável que a visão dos países mais ricos comece a mudar daqui para frente. E o Brasil tem um papel central neste convencimento.