A Ferrovia Transnordestina faz falta à economia do Nordeste, principalmente aos setores que dependem de um transporte mais barato para aumentar a sua produtividade ou se expandir. Em média, o transporte ferroviário corresponde a 30% do preço do frete cobrado nas estradas.
O caso do polo gesseiro é emblemático. Os empresários acreditam que poderiam dobrar a produção, de cerca de 3 milhões para 6 milhões de toneladas de gesso e derivados por ano, caso a região do Araripe – a 680 km do Recife – tivesse uma alternativa mais em conta para escoar os produtos. A brita de gesso, por exemplo, custa em média R$ 25 a tonelada, enquanto o frete para São Paulo fica por R$ 170.
Metade do que se consome de frango e ovos no Nordeste é comprado de produtores de outras regiões. “Poderíamos nos autoabastecer se saíssemos da rodovia para a ferrovia. É o custo Brasil. Pagamos mais pela ineficiência da infraestrutura e isso nos impede de crescer”, resume Edival. O setor voltou a comprar milho da Argentina, que chega de navio a Pernambuco, porque sai mais barato do que trazer, de caminhão, das outras regiões do País.
Alguns empresários desconfiam que mesmo quando a Transnordestina sair do papel, não terá um preço atrativo para alguns setores. A desconfiança é provocada pelo fato de que 80% da carga da ferrovia seria o minério de ferro. A empresa que está implantando a ferrovia, a Transnordestina Logística S.A. (TLSA) pertence ao grupo da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruck. O minério de ferro é a principal matéria-prima da indústria siderúrgica. “Quem garante que o frete desse minério não terá um preço privilegiado?”, questiona um empresário do setor gesseiro que prefere não se identificar. Especialista em parcerias que envolvem o setor público e o privado, a diretora da Consultoria Guimarães Ferreira, Ana Luíza Ferreira, sugere que, “como a ferrovia é uma concessão, poderiam ser acordados dispositivos definindo como seria a oferta dos serviços. Isso evitaria uma concentração vantajosa apenas para um setor”. Esse acordo teria que ser feito entre o governo federal (o dono da concessão), a concessionária (a TLSA) e os principais usuários do serviço.
O IMPACTO QUE CHEGA AO BOLSO
O consumidor nordestino paga até 50% a mais em custo de transporte do que o do Sul e Sudeste do País, porque aqui o produtor depende apenas das rodovias, segundo o coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende. Ele explica que um determinado produto vendido por R$ 100 tem uma despesa logística embutida de R$ 20 no Sudeste e no Sul, enquanto no Nordeste é de R$ 30. “A tendência é repassar esses R$ 10 a mais ao cliente final”, conta. Ele diz que a partir daí “ocorre uma lógica perversa” de repasse de custos que prejudica a todos. E resume: “Primeiro a indústria tenta repassar para o consumidor final ou para os seus fornecedores. E, por último, o setor industrial perde a capacidade de inovar e investir”, sofrendo uma concorrência “desleal” com os produtores das outras regiões, que dispõem de outros meios de transporte, além do rodoviário.
Resende argumenta que o frete rodoviário no Nordeste tende a ficar mais caro do que o das outras regiões por um motivo muito simples: a falta de concorrência. Para ele, mais do que obras, a região precisa de inteligência logística. “Deveria ser feita uma revisão do potencial logístico integrando três soluções: os portos, as ferrovias e rodovias. O governo central (a União) não tem tradição em tratar as regiões de forma integrada. E os governos dos Estados brigam uns com os outros. Isso não leva a lugar algum”, resume.
Mas o pior cenário, de acordo com Resende, é abandonar o que não chegou a funcionar. “Qualquer ruptura nesse projeto vai trazer um prejuízo grande ao Brasil inteiro. É chegada a hora de analisar estrategicamente se há a necessidade de um traçado diferente e concluir o que foi implantado”, comenta, referindo-se ao atual estágio da Ferrovia Transnordestina, na qual foram gastos R$ 6,2 bilhões. “O Nordeste não está sozinho nisso. Na questão ferroviária, o Brasil não se encontrou nem nas novas fronteiras do desenvolvimento, muito menos na interiorização da indústria.”