Candidatos de concursos públicos no âmbito Federal, administrações públicas, autarquias, fundações públicas e empresas de sociedades de economia mista que se declararem pretos e pardos no ato da inscrição do certame agora terão de passar por uma comissão examinadora disponibilizada pela própria organizadora da seleção para comprovar sua negritude. A novidade foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) de ontem e se aplica não apenas a certames cujos editais ainda serão publicados, mas também aos que já estão acontecendo e não foram homologadas até o momento.
De acordo com as informações contidas no Diário Oficial, os editais de concurso público devem informar como se dará a checagem da autodeclaração dos concurseiros, nomeando uma comissão composta por pessoas de perfis diversos em termos de gênero, cor e naturalidade. A decisão da ‘banca’ deverá ser baseada unicamente no fenótipo, ou seja, nos traços físicos comuns à população negra no geral. Caso não seja considerado negro, o candidato pode perder a vaga no certame. A publicação do DOU também afirma que deve existir possibilidade de recurso para os participantes do certame caso eles discordem da decisão.
Na opinião da advogada especializada em concursos públicos e vice-presidente da comissão de fiscalização de concursos públicos da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF) Thaisi Jorge, a medida pode ser benéfica para evitar fraudes. “O fato é que ainda não foi encontrado um padrão de comprovação da negritude justo o suficiente. A autodeclaração deixa margem para que pessoas não negras ocupem vagas reservadas para cotas raciais, enquanto uma fiscalização pode coibir a prática”, comenta.
A nova medida dividiu a opinião de concurseiros negros e também de funcionários públicos já empossados, tenham sido eles usuários do sistema de cotas ou não. Na opinião do analista judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) Marcos Netto, ainda que a prática possa ser benéfica para descobrir fraudes, dependendo da forma como for conduzida, também pode provocar constrangimentos no candidato.
“Sou a favor das chamadas ações afirmativas para correção de erros históricos, como a escravidão dos negros africanos no Brasil, mas é preciso que se padronize, por critérios científicos, a aferição do que caracteriza ou não a pessoa como negra para evitar constrangimentos em uma sociedade impregnada de preconceito racial”, completa. Ele pontua, ainda, que acredita nas cotas sociais como um recurso mais certeiro.
Já a concurseira Jennefy Merydion é contra a medida. “Existe uma visão muito ampla do negro. Pode ser uma pessoa com cor da pele negra, mas cabelo liso, ou alguém de pele clara e cabelo crespo, então dá medo de estereotipar, ter um conceito do que a banca acha que é negro e excluir outras pessoas”, opina.
A adoção de cotas em concursos públicos do âmbito Federal é válida desde 2014. No texto da lei, fica garantida a reserva de 20% das vagas a negros e pardos em seleções com mais de três vagas. As cotas foram criadas como forma de tentar corrigir uma dívida histórica com a população negra. No setor público, apesar da paridade de salários, apenas 30% dos empossados são negros, diz a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).