“O seu direito acaba onde começa o dos outros”. Se levado a sério, o ditado popular, que versa sobre bom senso e respeito, poderia evitar que a lei fechasse o cerco à homofobia e à transfobia também no futebol. Afinal, desde junho deste ano, essas manifestações são crimes de racismo após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, isolados pelo concreto dos estádios, muitos torcedores seguem ignorando a nova legislação. Para “ajudar” os que ainda não entenderam o recado, o Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decidiu punir, com multa e até perda de três pontos, os times cujas torcidas forem listadas por atitudes homofóbicas em súmula, pelo árbitro. A decisão causou reviravolta no futebol nacional, mas foi bem aceita pelos principais agentes do esporte em Pernambuco.
Há consonância a respeito da punição, inclusive, entre dirigentes e jogadores dos clubes que integram o trio de ferro do Estado. “Tudo que vem para trazer disciplina e respeito é positivo. O Náutico vai obedecer. Na verdade, não é nem o Náutico, é a torcida. Porque os profissionais do clube estão cientes da conduta que têm a obrigação de seguir. Estamos de acordo com qualquer determinação para promover o respeito”, afirmou o vice-presidente executivo do Timbu, Diógenes Braga.
No Sport a receptividade com a nova norma foi parecida. “É necessário punir e banir a homofobia e, por esse motivo, a decisão é muito positiva. Está acertada e deve continuar”, disse o vice-presidente executivo do Leão, Carlos Frederico.
Em negociação com o Santa Cruz para a temporada 2020, o zagueiro Danny Morais também deu voz ao assunto. Apesar de integrar a categoria dos jogadores, que podem ter o trabalho diretamente comprometido pelo comportamento da torcida, o atleta acredita que o momento é de combater a intolerância de modo firme, inclusive, no futebol. “Eu apoio totalmente, não só contra a homofobia, também contra o racismo. E apoio que a gente tem que combater isso, temos que ser duros. As torcidas não precisam disso para torcer, para fazer um espetáculo bonito. E temos que começar a dar o exemplo com jogadores, diretores, marketing dos clubes. Porque nós que fazemos o espetáculo, somos responsáveis também. E não só a CBF tem que punir, mas o clube tem que se precaver com a torcida. A nossa torcida é um exemplo disso, que nunca precisou de cânticos homofóbicos para torcer e dar um espetáculo. Existem coisas no futebol que são toleráveis, como um xingamento que, às vezes, faz parte, mas tem que existir um limite, um respeito. E acho que só se combate isso com regras. Quem não seguir, que seja punido e pague por isso”, opinou.
O primeiro time a sentir as consequências dos atos homofóbicos de sua torcida pode ser o Vasco. No último domingo, a equipe Cruzmaltina venceu o São Paulo, por 2x0, em São Januário, pela 16ª rodada da Série A do Campeonato Brasileiro. Mas corre o risco de perder os três pontos em razão dos cânticos preconceituosos de alguns torcedores, que foram registrados em súmula pelo árbitro Anderson Daronco.
Diante do ocorrido, o STJD oficiou a equipe carioca a prestar esclarecimentos. As explicações vieram na última quinta-feira, quando se encerrava o prazo final para o envio do documento. Antes, o clube divulgou nota oficial se posicionando contra a homofobia e, neste domingo (1), os jogadores entrarão com uma faixa em campo, com mensagem sobre o assunto. O time de São Januário enfrenta o Cruzeiro, às 19h, no Mineirão, pela 17ª rodada da Série A.
A nova determinação do STJD contra a homofobia nos estádios de futebol está alinhada não só com a decisão do STF, que incluiu a a homofobia e a transfobia na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989), como também com a Fifa. No dia 25 de julho deste ano, a entidade máxima do futebol mundial emitiu uma circular para que as confederações filiadas combatessem práticas discriminatórias. Antes já havia lançado um guia para a prevenção de atos preconceituosos no futebol.
“Essa determinação (do STJD) tem importante reverberação porque o campo (de futebol), dentro do seu ambiente machista e heteronormativo, acaba sendo um espaço de preconceito e de lgbtfobia. Ver uma trans jogando, por exemplo, é algo fora do comum. E já é uma forma de começar a exercitar a nossa cidadania, que está assegurada na constituição, em meio a pessoas e instituições extremamente machistas. No futebol, não se admite que o jogador seja gay. Pelo contrário, tem que ser aquela figura que tem várias mulheres. O STF traça caminhos importantes, as pessoas serão forçadas a andar na linha e a seguir as regras. A luta pela cidadania plena começa assim. Isso é uma gota no oceano do que se precisa no Brasil”, analisou a presidente do Fórum LGBT de Pernambuco, Rivânia Rodrigues.