Direitos Humanos

Homofobia persiste no mundo

Há 25 anos, Organização Mundial de Saúde deixou de considerar a homossexualidade como doença. Mas preconceitos continuam

Mariana Mesquita
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Mariana Mesquita
Publicado em 17/05/2015 às 0:11
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Há 25 anos, Organização Mundial de Saúde deixou de considerar a homossexualidade como doença. Mas preconceitos continuam - FOTO: Foto: Guga Matos/JC Imagem
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Transviado. Pervertido. Anormal. Doente. Estes termos utilizados contra os homossexuais já tiveram suporte da medicina, com direito a “tratamentos” que incluíam castração, hipnose, choques elétricos e lobotomia, mas deixaram de fazer sentido há 25 anos. Em 17 de maio de 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou o homossexualismo de seu rol de distúrbios mentais, deixando de considerar essa tendência como um desvio e, ao mesmo tempo, abolindo o termo (já que, na área de saúde, o sufixo “ismo” caracteriza uma condição patológica). Assim, dizer que a homossexualidade é vício, tara ou algo doença a ser curada passou oficialmente à categoria de ignorância e preconceito. E, por isso, 17 de maio foi declarado o Dia Internacional de Combate à Homofobia, quando pessoas de todo o mundo se mobilizam para falar de diversidade e tolerância.

“O fato de tirar esta experiência humana da condição de doença é algo que ainda merece ser comemorado”, afirma Benedito Medrado-Dantas, doutor em psicologia social, que pesquisa sexualidade e masculinidades na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para Benedito, contudo, não se pode olhar só para as conquistas ocorridas desde então. “Este é um marco importante, que só ocorreu pela pressão de um movimento forte. Porém, as pessoas tendem a achar que não há mais problemas, que não é necessário discutir o assunto. O fato é que vivemos no Brasil um momento de retrocesso. Às vezes é mais fácil lidar com a homofobia explícita, do que quando ela acontece de forma cortês”, alerta.

A legislação brasileira não considera a homossexualidade como um crime desde 1830 (ao contrário do que ainda acontece em diversos países, como pode ser visto no gráfico abaixo), mas a violência e o preconceito são pautas centrais do movimento LGBT. Segundo especialistas, ainda há uma espécie de “pena de morte” não-oficial imputada a muitas destas pessoas, que sofrem com a falta de amparo familiar e governamental e com dificuldades de inserção no mercado de trabalho.

Entre 2011 e 2012, Roberto Efrem, que é professor de sociologia da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), realizou a pesquisa “Corpos Brutalizados”, levantando crimes ligados ao ódio contra homossexuais na Paraíba e em Pernambuco. Ele destaca que ambos estão entre os cinco Estados brasileiros onde mais se mata por homofobia. “As políticas públicas para o segmento são muito precárias e, em especial, os crimes contra travestis e transexuais impressionam pela brutalidade. É como se tivessem que ser exterminados da sociedade. Uma das vítimas levou mais de 30 facadas”, relata o pesquisador.

A situação dos transexuais e travestis é atualmente um paradoxo dentro da realidade do movimento LGBT brasileiro, por ainda serem considerados portadores de um “desvio” de personalidade. “A decisão da OMS desestigmatizou toda uma população ao declarar que a homossexualidade não é doença, mas essa questão ainda é discutida no que diz respeito aos transexuais”, conta Roberto Efrem. A batalha deste segmento, que é visto de forma estereotipada e enfrenta maior rejeição do público heteronormativo, ainda tem muito o que avançar. Ao contrário do que acontece em outros países, no Brasil eles precisam se declarar “doentes” para obter tratamento médico e adequação para seu “transtorno”.

Por outro lado, em 2013 foi arquivado um polêmico projeto na Câmara dos Deputados, que com apoio da bancada religiosa tentava suprimir uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e assim permitir tratamentos de “reversão” e “cura”. A proposta gerou protestos e foi vista como retrocesso por psicólogos e outros profissionais da área de saúde, que temiam que os pacientes, por pressão da família ou de setores religiosos, se submetessem a tratamentos sem base científica. A tendência do CFP, aliás, é encarar a homofobia e não a homossexualidade como doença, especialmente nos casos que envolvem medo, repulsa, violência e empobrecimento da vida e do comportamento social.

ATIVISMO COBRA POR MUDANÇAS EM PERNAMBUCO


“Conseguimos alguns avanços na legislação, mas ainda há muito o que avançar. O importante é deixar claro para a sociedade que não se busca nenhum privilégio de classe, e sim uma igualdade de oportunidades e de vivências”, afirma Thiago Rocha, representante dos homossexuais masculinos no fórum colegiado LGBT de Pernambuco. 

Na última quinta-feira (14/03), ativistas do Núcleo de Pesquisa em Gêneros e Masculinidades (GEMA-UFPE), do Fórum LGBT-PE e do Instituto Papai foram ao ao bairro da Boa Vista divulgar a lei municipal 16.780/2002, rebatizada como “Lei do Amor Livre”. No Recife, é proibido discriminar por conta da orientação sexual, e a proposta é ampliar a lei, tornando-a estadual. 

Segundo Israel Pereira, representante dos bissexuais no Fórum LGBT-PE, por meio da lei os proprietários de estabelecimentos onde a discriminação aconteça podem sofrer multa e até cassação do alvará de funcionamento. “É bom que haja punições, embora elas não sejam compatíveis com grau do agravo a que muitos casais homoafetivos são submetidos”, avalia Israel.

O segmento LGBT pernambucano também vem sofrendo derrotas: há exatamente um mês (em 17/03), a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) vetou a criação de uma Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT. A bancada evangélica, liderada pelo pastor Cleiton Collins (PP), argumentou que a temática LGBT deveria ser discutida dentro da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. “A gente defende os direitos de todos. Não existe perseguição. O que existe são ativistas muito radicais, que querem tornar o homossexualismo um padrão normal. Quem quiser ser, que seja. Agora, ninguém é obrigado a aceitar”, diz Collins. 

BRIGA COM CONSERVADORES TAMBÉM ACONTECE EM BRASÍLIA

A luta pelos direitos LGBT ocorre ainda em nível federal. Desde 2006, transita na Câmara de Deputados o projeto de lei 122, que transforma em crime a discriminação motivada por orientação sexual ou pela identidade de gênero. Prestes a completar uma década, o projeto gera polêmica especialmente entre a bancada evangélica, já que originalmente transformava em crime as pregações contra a homossexualidade. Para a representante dos transexuais no Fórum LGBT-PE, Chopelly Santos, “o Estado brasileiro não mata, mas não pune quem mata”, e a aprovação da lei é crucial para coibir a violência.

Além do PL 122, os deputados também analisam o PL 6583/2013, mais conhecido como Estatuto da Família. De autoria do pernambucano Anderson Ferreira (PR), a proposta define “entidade familiar” como sendo o “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável”.

O projeto vem causando indignação por tentar restringir a adoção de crianças por casais heterossexuais, indo de encontro à jurisprudência que já se acumula no País. “É um tipo de postura que prejudica principalmente às crianças adotadas por casais homossexuais, e que podem perder direitos ou sofrer preconceito”, diz o presidente do Movimento Gay Leões do Norte, Weligton Medeiros. 

As mudanças mais profundas poderão vir por outros meios. “Sentimos muita necessidade de investimentos em uma educação mais inclusiva, que ajude a mudar a mentalidade heteronormativa, especialmente em relação aos travestis e transgêneros, que têm menos oportunidades de estudar e de se inserir no mercado de trabalho”, conta Íris de Fátima, representante das lésbicas no Fórum LGBT-PE. 

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