Os dias de Simone Fortuna são cheios. Pela manhã, cuida da filha, Emanuele, 2 anos e meio, e da casa. Às 11h, a leva para a escola. Às 12h30, começa a rotina de trabalho, busca um casal de irmãos na escola e os deixa em casa para almoçarem. Às 13h, busca duas meninas em casa e as deixa na escola. Volta, busca os irmãos e os leva para as aulas de inglês ou para a academia. Às 16h deixa outra criança na natação e às 18h30, busca as meninas na escola. Volta para casa, faz jantar, toma banho, cuida de Emanuele. Vai dormir à meia-noite.
Formada em administração e com experiência em telecomunicações, Simone é uma das mães que teve dificuldade em se recolocar no mercado de trabalho formal após o nascimento da filha. Ela tem 49 anos e teve Emanuele aos 46 anos. Trabalhava na área comercial de uma empresa há quatro anos. Quando voltou da licença-maternidade, após a fase na qual o vínculo do emprego é protegido por lei, foi demitida. “Não falaram as razões, mas a gente sabe que tem muito preconceito. Senti isso nas entrelinhas. Disseram que a área de negócios era muito puxada, que eu estava com um bebê e deveria cuidar da minha filha”.
Para não deixar de trabalhar, Simone criou o Transporte de Confiança, espécie de Uber, no qual transporta exclusivamente crianças. “Atendo as mães que justamente estão estressadas, que não conseguem dar conta das rotinas e me ligam. Levo as crianças para a escola, para o inglês, ballet e até para o hospital, como aconteceu uma vez”.
O caso de Simone não é isolado. Uma pesquisa divulgada pela empresa de recrutamento Catho, mostra que, após a chegada dos filhos, as mulheres deixam o mercado de trabalho cinco vezes mais que os homens. A pesquisa foi feita com 13.161 pessoas. O levantamento concluiu que 28% das mulheres deixaram o emprego após a chegada dos filhos, versus 5% dos homens.
Os dados mostram ainda que 21% das mulheres levam mais de três anos para retornarem ao trabalho. A mesma situação para os homens ocorre em apenas 2% dos casos.
“Apesar do discurso ser outro, na prática, em muitas empresas, a mulher não é compreendida. Não compreendem a necessidade, por exemplo, da mulher se ausentar”, diz Simone. "Quando não demite a funcionário, a própria rotina pode levá-la a pedir demissão. Uma vez fora do mercado, as dificuldades em voltar a trabalhar são muitas. Teve um caso específico que disputei uma vaga com 12 candidatos. No final, ficou entre eu e um rapaz. Quando chegou na fase final de entrevista, contei que tinha uma criança de um ano e meio, na época”, conta e diz que no final, não foi contratada.
Segundo a gerente de relacionamento com o cliente da Catho, Kátia Garcia, há ainda em empresas um certo preconceito, que pode ser comprovado quando analisados os cargos mais altos, ocupados, na maior parte das vezes, por homens. A pesquisa realizada pela empresa mostra que houve um aumento da participação feminina em diferentes cargos, subiu de 54,99% em 2011 para 61,57% em 2017. No entanto, as desigualdades permanecem. Elas ocupavam, em 2011, 22,91% dos cargos de presidência; em 2017, esse número passou para 25,85%.
“Isso pode sim ter relação com a maternidade. Quando a mulher está mais próxima de 30 e poucos anos, seria a idade que avançaria para a próxima etapa da carreira. É também, geralmente, a idade que faz opção pela maternidade. Isso pode ter relação com ritmo mais lento de evolução de carreira das mulheres”, diz a gerente.
Há, no entanto, empresas que incentivam as funcionárias e, para Kátia Garcia, isso pode ser uma forma do próprio empregador se beneficiar. “Quando uma mulher se torna mãe, ela desenvolve ou potencializa habilidades que podem ser super bem aproveitadas, como capacidades de comunicação e de liderança. Se a empresa tem percepção disso e investe em políticas internas que façam com que a mulher perceba que seu trabalho é valorizado independente de ser mãe, a empresa tem um ganho gigantesco com isso”, diz Kátia.
De acordo com ela, uma boa estratégia é permitir o trabalho de casa, por home office e horários mais flexíveis, especialmente nos primeiros anos de vida da criança. A empresa pode também investir em treinamentos para que a mulher melhore a administração do próprio tempo. “A mulher vai procurar ser mais eficiente na gestão do tempo para otimizar as entregas no período que está disponível para a empresa. E a empresa não tem nada a perder”, diz.
Para jornalista Mayara Penina, co-fundadora do Nós, mulheres da periferia e mãe do Joaquim, de 4 anos, ainda vivemos em uma sociedade que delega apenas para as mulheres o serviço doméstico e de cuidado com as crianças e com a casa. “Falta uma política de apoio, seja nas empresas privadas, como os municípios com vagas em creches para que as mulheres continuem suas vidas profissionais depois de terem filho. Ou, muitas vezes, iniciem esta carreira, já que muitas mulheres ficam grávidas na adolescência”, diz.
Na falta de apoio, muitas acabam recorrendo ao empreendedorismo, como Simone. Segundo Mayara, a sociedade vê a mulher mãe, apenas como mãe e esquece das outras dimensões que envolvem uma mulher, um ser humano. “Há muito glamour e romantismo que envolve a maternidade que, de maneira nenhuma, é aplicável na prática. É uma benção ser mãe, mas também é uma grande problema para a maioria esmagadora das mulheres, que não estão no topo da pirâmide social e querem conciliar o trabalho com o cuidado com os filhos e a casa, morando longe dos seus trabalhos e ganhando muito pouco”.
“Tem uma herança cultural bastante arraigada ainda que a responsabilidade pela educação dos filhos é das mães. A maioria dos pais tem papel coadjuvante, principalmente nos primeiros anos dos filhos”, complementa Kátia, que também é mãe. “Isso explica porque mães demoram mais para retornar que homens. Muitos homens tornam-se pais e a vida continua igual. A mulher tem uma segunda responsabilidade, além da que tinha”.