O jovem A. H. M. Khairul Islam saiu de Bangladesh, na Ásia, para buscar uma oportunidade de trabalho no Brasil há cinco anos. Depois de passar por 11 estados, fixou residência em Brasília há três anos. Ele decidiu pela capital em razão da proximidade com a embaixada do seu país natal. Acabou trabalhando com assistência social, auxiliando outros imigrantes.
Khairul encontrou várias dificuldades para regularizar sua situação como trabalhador. A primeira, conta, foi a língua. Muitas vezes, não conseguia se comunicar de forma clara com advogados e servidores públicos. A segunda, foi a burocracia. A terceira, vivenciada por ele e por colegas, foi a postura de empregadores, que em muitos casos pagam salários mais baixos em condições precárias e ameaçam imigrantes, sugerindo que questionamentos podem resultar na deportação da pessoa. Outra dificuldade é o entendimento da legislação brasileira pelos imigrantes.
Os desafios de imigrantes, refugiados e apátridas como Khairul na sua inserção no mercado de trabalho brasileiro são o tema de um encontro nacional iniciado nesta quarta-feira (14) em Brasília. O evento, que vai até esta quinta-feira (15), é uma iniciativa do Instituto de Migrações e Direitos Humanos (IMDH) com o apoio do Ministério da Justiça e reúne cerca de 30 pessoas vindas de outros países com o objetivo de trocar experiências, esclarecer dúvidas junto a autoridades e discutir meios de fortalecer o apoio a estas pessoas na regularização e conquista de vagas.
Segundo Kairul Islam, um obstáculo importante à inserção no mercado de trabalho e à regularização em geral é a burocracia. “Para resolver problema de documentos é difícil, pois não tem um lugar só, tem o Conselho Nacional de Refugiados (Conare), tem a Polícia Federal, tem o Ministério da Justiça. É muita correria. Seria bom ter melhor administração para falar com imigrantes e mais auxílio, especialmente dos advogados”, diz. Com auxílio de organizações da sociedade civil, ele conseguiu a condição de refugiado, mas relata que essa solicitação é difícil já que não há guerra em Bangladesh.
Além dos diversos órgãos, algumas documentações são custosas aos imigrantes. É o caso da exigência de antecedentes criminais nos países de origem e das certidões negativas criminais em todos os estados onde a pessoa morou no Brasil.
O atendimento nos órgãos públicos também é apontado por imigrantes como um problema. Kairu ouviu relatos de colegas de outros países que em alguns órgãos e estados os servidores não dão esclarecimentos e os processos não andam, como Rio Grande do Sul e São Paulo.
O sistema online de autorização de trabalho e residência é outra barreira. Somente por ele é possível fazer a requisição, e ainda de posse de uma certificação digital. De acordo com o IMDH, muitos migrantes reclamam de não conseguir fazer uso adequadamente do site. Não há, por exemplo, explicações atualizadas em outras línguas sobre o procedimento. “São procedimentos custosos, difíceis e que ainda trazem muita dificuldades para os migrantes com os quais lidamos”, avalia Irmã Rosita Milesi, diretora do instituto.
Diante das reclamações quanto à burocracia, o representante da Secretaria Nacional de Justiça e do Conare, Ivon Jorge da Silva, afirmou durante o evento que o órgão vem agilizando a análise das solicitações feitas por migrantes e que nos últimos 12 meses 90% dos pedidos foram apreciados.
O estrangeiro que deseje realizar algum trabalho no Brasil deve obter um visto temporário, que pode ser solicitado previamente ou quando a pessoa já está no país. A licença tem duração de dois anos e há regras de acordo com a atividade, como ensino e pesquisa, empreendedorismo e investimento, e contratos de trabalho em geral.
A requisição de autorização para trabalhar no país deve ser feita pela Internet por meio do site do Ministério do Trabalho. Se o imigrante quiser continuar no Brasil em algum emprego, após o fim do visto temporário pode requisitar residência permanente apresentando um contrato por tempo indeterminado. Os refugiados reconhecidos pelo governo federal também possuem direito de trabalhar no país.
Alguns participantes do encontro também reclamaram da revalidação de diplomas. Esta é uma exigência central para empregos com exigência de comprovação de formação. A venezuelana Cristina Lizana fez doutorado e pós-doutorado no Brasil. Frente à crise por que passa o seu país natal, decidiu buscar oportunidades aqui e tentou um concurso para professora de matemática na Universidade Federal da Bahia.
Mesmo aprovada, teve que esperar meses para a validação de seu diploma. “Foi um processo demorado. Foi caro, paguei R$ 1.000. Consegui trazer os documentos. Mas dificultou a minha tomada de posse”, relata.
“A revalidação de diploma é um obstáculo à inserção no mercado de trabalho. Portaria do Ministério do Trabalho já flexibilizou exigências, mas ainda é um procedimento burocrático”, comentou Maria Beatriz Nogueira, do escritório brasileiro do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
Com a nova Lei de Migração aprovada em maio do ano passado, a política imigratória passou a ser responsabilidade de três órgãos: Conselho Nacional de Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça; a Polícia Federal e o Conselho Nacional de Imigração, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego. Este último ficou com a responsabilidade de políticas e análise de processos relativas à ocupação de vagas por imigrantes e refugiados.
A nova lei trouxe algumas novidades positivas aos imigrantes e refugiados e criou a figura do visto humanitário, para o caso de imigrantes vindos de países com crises sociais e econômicas. Neste caso, o imigrante têm todos os direitos, inclusive o de celebrar contrato de trabalho.
Para Oriana Jara, imigrante chilena e integrante da organização latinoamericana Espaços sem Fronteiras, a nova lei é melhor do que a legislação anterior, mas houve retrocessos com vetos do presidente Michel Temer. “O visto humanitário permaneceu, mas alguns pontos foram desvirtuados. O período de deportação, por exemplo, ficou ambíguo”, analisa.
Um dos pontos em aberto é a autorização de trabalho para autônomos e outros, como micro empreendedores individuais (MEIs). “Ainda não existe regulamentação para essas situações. Como a lei é nova, o Conselho se debruçou sobre as situações clássicas. É situação que vai demandar debates posteriores para com as representações do segmento produtivo e da área social ver a previsibilidade de fazer encaminhamentos com base nessa situação”, explicou Luiz Matos dos Santos, do Ministério do Trabalho.