Cresce a expectativa, na Argentina, com a Marcha do Silêncio desta quarta-feira (18), convocada por um grupo de promotores, em homenagem ao colega Alberto Nisman. Ele morreu há exatamente um mês, em circunstâncias duvidosas, que ainda estão sendo apuradas.
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Quatro dias antes, Nisman tinha acusado a presidenta Cristina Kirchner e seu chanceler, Hector Timerman, de terem conspirado com o Irã para, supostamente, acobertar os responsáveis pelo atentado de 1994 contra o Centro Comunitário Judaico Amia – o pior na história do país.
A marcha – à qual se somaram políticos e sindicalistas de oposição – foi duramente criticada pelo governo, que acusa os organizadores de quererem tirar proveito político, faltando oito meses para as eleições presidenciais de outubro.
A ex-mulher de Nisman, a juíza Sandra Arroyo Salgado, confirmou nessa terça-feira (17) que irá à marcha com as duas filhas. "[A finalidade] é homenagear o trabalho dele como promotor e não por outros motivos políticos ou sociais”. No comunicado, ela se diferencia de “outros setores sociais, políticos e midiáticos” que participarão do ato com outras reivindicações. O secretário de Segurança da Argentina disse que pediu aos responsáveis pelo policiamento das ruas, por onde passarão os manifestantes, que não levem armas “porque pode haver provocações”. Acrescentou que “80% do que se diz [sobre o caso Nisman] são mentiras” e insistiu que tudo faz parte de um golpe para debilitar o governo.
A morte de Nisman continua cercada por rumores envolvendo, desde os serviços secretos da Argentina e do Irã, até a CIA, dos Estados Unidos, e a Mossad, de Israel. No último dia 13, o promotor Gerardo Pollicita anunciou que retomaria o trabalho de Nisman, interrompido por sua morte, e acolheu a denúncia feita por ele. Pollicita indiciou a presidenta e o chanceler, além de um deputado e um militante aliados do governo, e pediu à Justiça provas adicionais para investigar se as acusações têm fundamento.
Nisman era o promotor encarregado de investigar o atentado à Amia, ocorrido no dia 18 de julho de 1994, que matou 85 pessoas e feriu mais de 300. Tanto esse ataque terrorista quanto o anterior (em 1992, contra a embaixada israelense em Buenos Aires, que matou 29 pessoas, nunca foram esclarecidos.
As primeiras investigações apontavam para a chamada “pista síria”. Os atentados seriam uma vingança do regime sírio contra o então presidente Carlos Menem (1989-1999), cuja candidatura teria sido financiada, em troca de tecnologia nuclear, que nunca recebeu. Menem – que é de origem síria – também enviou tropas ao Golfo, para apoiar os Estados Unidos na guerra contra o Iraque, apos a invasão iraquiana do Kuwait.
Os resultados das primeiras investigações tiveram que ser arquivados, quando se descobriu que o juiz responsável tinha comprado um testemunho falso. O próprio Menem está sendo processado por encobrir o crime. O caso Amia voltou a ganhar destaque no governo de Nestor Kirchner (2003-2007), que encarregou o promotor Alberto Nisman de retomar as investigações.
Nisman apostou na “pista iraniana”: ele acusou o Irã de planejar o atentado, que teria sido executado pelo grupo xiita libanês, e pediu a captura de ex-altos funcionários do regime iraniano para interrogá-los. Em 2007, a Interpol emitiu alertas vermelhos para cinco dos oito acusados, entre eles dois ex-ministros.
O Irã sempre negou qualquer participação e tanto Nestor Kirchner quanto de sua viúva e sucessora, Cristina Kirchner, acusaram os iranianos de não colaborar com a Justiça argentina para apurar um ato terrorista. Em 2013, a situação mudou: Cristina Kirchner e o regime iraniano tinha finalmente decidido colaborar, e os dois países acertaram criar uma comissão da verdade. O acordo foi criticado por organizações judaicas, a oposição e o próprio Nisman.
No dia 14 de janeiro, Nisman acusou Cristina e Timerman de terem negociado o acordo com o Irã para – secretamente – acobertar os suspeitos, cuja captura ele tinha pedido, e enterrarem a investigação. Os motivos seriam econômicos: a Argentina queria se reaproximar do Irã para trocar grãos e armas por petróleo.
O governo desmentiu as acusações (que Nisman colocou por escrito em um documento de 300 páginas, baseado em escutas telefônicas), alegando que o petróleo iraniano não podia ser refinado na Argentina. Timerman também apresentou uma carta, da Interpol, confirmando que ele jamais pedira a suspensão dos alertas vermelhos – como dissera Nisman.
O promotor tinha sido convocado pela oposição para detalhar os motivos que o levaram a acusar a presidenta e o chanceler. Ele ia prestar depoimento ao Congresso no dia 19 de janeiro, mas na madrugada daquele dia foi encontrado morto com uma bala na cabeça. O tiro tinha sido disparado, no dia anterior, por um revólver calibre 22, emprestado por um colega de trabalho de Nisman.
Um mês depois, a Justiça ainda não pode afirmar se Nisman suicidou-se, se foi “induzido” a se matar, ou se foi assassinado. O governo e a oposição trocaram acusações – ate a própria Cristina Kirchner colocou em dúvida a tese do suicídio, mas disse que a morte dele é parte de um complô para desestabilizar seu governo – e não um assassinato para calar o homem que a acusava.