O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anunciou nesta quinta-feira (27) que decidiu chamar para consultas seu embaixador em Caracas pelo comportamento "inaceitável" do governo da Venezuela em relação à crise na fronteira, que levou Caracas a agir da mesma forma.
"Dei instruções à chanceler para que chame para consultas o nosso embaixador na Venezuela e que convoque uma reunião extraordinária de chanceleres da Unasul. Queremos contar ao mundo (...) o que está ocorrendo porque isto é totalmente inaceitável", disse Santos durante um ato oficial.
O presidente colombiano disse que tomou a decisão após o governo venezuelano ignorar o acordo acertado na quarta-feira pelo qual o defensor do povo da Colômbia, Jorge Otálora, poderia visitar a cidade de San Antonio del Táchira para verificar denúncias de abusos realizadas por cidadãos expulsos da Venezuela.
"Quero reafirmar que a Colômbia privilegia o diálogo e a diplomacia e oxalá a Venezuela tenha a mesma atitude, porque até o momento o que vimos é que não há qualquer vontade de diálogo ou de soluções diplomáticas, apenas soluções de força ou atitudes como as que vêm tendo com nossos compatriotas", destacou Santos. "Não posso permitir que a Venezuela trate os colombianos e trate o governo colombiano desta forma".
Em reação à decisão de Santos, a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, chamou para consultas seu embaixador em Bogotá, Iván Rincón, elevando a tensão bilateral.
"Seguindo instruções do presidente @NicolasMaduro, chamamos para consultas nosso embaixador na República da Colômbia, Iván Rincón", revelou Rodríguez no Twitter, acrescentando que haverá uma revisão "integral nas relações com a Colômbia em razão das agressões que sofre nosso povo pelo 'paramilitarismo' e a guerra econômica".
Segundo o último boletim oficial, 1.097 colombianos foram deportados da Venezuela desde a sexta-feira, quando entrou em vigor o estado de exceção decretado pelo presidente Nicolás Maduro em um setor da fronteira.
A medida foi motivada, segundo Caracas, por um ataque de desconhecidos contra militares venezuelanos na semana passada, durante uma operação de combate ao contrabando no estado de Táchira, que Maduro atribuiu a "paramilitares colombianos".
Desde então, as autoridades estimam que entre 5 mil e 6 mil colombianos saíram da Venezuela voluntariamente, a maioria cruzando o rio Táchira, fronteira natural entre os dois países.
- Drama humanitário -
Em albergues e refúgios improvisados, centenas de colombianos expulsos da Venezuela pelo governo de Nicolás Maduro tentavam retomar suas vidas nesta quinta-feira na cidade de Cúcuta, aonde continuavam chegando devido à crise fronteiriça entre os dois países. Autoridades colombianas, membros da Cruz Vermelha e de agências da ONU assistiam os deportados.
A medida, motivada pelo ataque de homens não identificados a militares venezuelanos em meio a uma operação de combate ao contrabando que Maduro atribuiu a "paramilitares", era rejeitada fortemente na Colômbia, onde se vivia um drama humanitário em abrigos e nas margens do rio Táchira, fronteira natural entre os dois países e por onde nesta quinta-feira continuava o êxodo de colombianos levando seus pertences nas costas.
"Feio que a chanceler da Venezuela (Delcy Rodríguez) diga que isto não esteja acontecendo, que é mentira", disse à AFP Ernesto Chivatá, um padeiro de 41 anos, em alusão à reunião realizada na véspera entre as ministras das Relações Exteriores de ambos os países.
Chivatá contou que vivia há uma década na Venezuela, mas se viu forçado a fugir por ameaças da militarizada Guarda Nacional Bolivariana (GNB). "Para que vão nos chamar de paramilitares se nós não temos armas, temos as mãos", completou.
Familiares de Jonatan Correga, um colombiano levado pela GNB no sábado e do qual sua família não sabia nada, pediram sua liberdade. "É inocente... não é paramilitar", afirmava o grupo com a foto do jovem, de 20 anos e que visitava sua namorada venezuelana. Na véspera, durante uma visita a Cúcuta (noroeste), o presidente Santos afirmou que os repatriados não são paramilitares, mas "famílias pobres".
Pelo mesmo caminho pelo qual "sacoleiros" contrabandeavam até pouco tempo produtos básicos fortemente subsidiados na Venezuela, avançavam agora sob um sol escaldante e a 40ºC homens, jovens e crianças carregando pertences. Vários passavam junto à cruz que marca o lugar onde a GNB atirou em três "sacoleiros" há um mês. Mas todos afirmavam que nenhum contrabando é possível sem prévio pagamento à mesma GNB que os persegue.
"Meus olhos pesam de tanto chorar", disse à AFP Andrea Agudelo, de 33 anos, cujo status legal de refugiada e sua carteira venezuelana não a salvaram de ter que cruzar o rio na noite de sábado. "Éramos um grupo de 37. Os homens saíram primeiro porque se dizia que eram os primeiro que iam levar para acusá-los de paramilitares. E depois saímos todos, mulheres, crianças, cachorros, galinhas, porcos", contou.
Para deixá-la escapar com seus dois filhos, os soldados marcaram sua casa com um "D", sinal de que seria demolida, e lhe cobraram 1.000 bolívares por cada um. Além disso, lhe roubaram celulares, eletrodomésticos "e até a tintura para o cabelo", afirmou.
O drama de Agudelo se repetia em outros abrigos de Cúcuta. Nicolás Campos, um trabalhador rural de 46 anos refugiado de Río Viejo, às margens do rio Magdalena, vivia há quatro anos na Venezuela. "Decidi ir com minha família para a Venezuela, mas na terra onde trabalhava começou a chegar (a guerrilha colombiana) ELN e vi que a GNB lhe dava mantimentos", relatou.
"Então (no começo de 2014) falei com minha mulher: Vamos para San Antonio antes que nos aconteça o mesmo que na Colômbia". Mas teve que sair no domingo, "de chinelos, camiseta e bermudas", depois que a GNB entrou a chutes em sua casa, também marcada com a fatídica letra "D", relatou.