Milhares de pessoas homenagearam neste domingo as 95 vítimas do pior atentado da história da Turquia, lançado no sábado (10) contra uma manifestação pacifista em Ancara, e acusaram o poder de alimentar a tensão a três semanas das legislativas.
Até o momento ninguém reivindicou o massacre, e todos continuam se perguntando quem e como cometeu o atentado. Também não houve nenhuma detenção.
O primeiro-ministro, Ahmed Davutoglu, declarou no sábado (10) que há fortes indícios de que a dupla explosão em frente à principal estação de trens de Ancara foi provocada por dois suicidas.
Perto do local das explosões, milhares de pessoas se manifestaram neste domingo (11) convocadas pelos mesmos sindicatos, ONGs e partidos pró-curdos que organizaram a concentração de sábado.
Os manifestantes foram homenagear as vítimas e denunciar a responsabilidade do poder e do presidente Recep Tayyip Erdogan no ataque, a gritos de "governo renuncie" e "Erdogan assassino".
"Eu sou uma mãe de família e estou preocupada por meus filhos", disse à AFP Zahide, uma trabalhadora, no meio da multidão.
"Eu me manifesto por meus filhos e por nosso futuro. A cada vez em que há mortos, eu também morro um pouco", acrescentou.
Os participantes da manifestação na capital acusaram o presidente e seu governo de manter vínculos com os jihadistas do grupo Estado Islâmico e de ter tomado a decisão de não garantir devidamente a segurança da manifestação de sábado.
"Nossos corações sangram (...) mas não atuaremos com espírito de vingança ou de ódio", disse Selahattin Demirtas, líder da principal formação pró-curda do país, o HDP, um dos grupos que convocaram a marcha.
"Esperaremos o dia 1º de novembro", data das legislativas antecipadas, e "então começaremos a trabalhar para derrubar o ditador", acrescentou.
Demirtas declarou novamente que segundo seu partido 128 pessoas morreram na dupla explosão. Segundo o balanço do governo, 95 pessoas morreram e 507 ficaram feridas, das quais 65 estão em unidades de tratamento intensivo.
Davutoglu ordenou três dias de luto nacional e em todo o país as bandeiras ondeavam a meio mastro. Neste domingo seriam realizados os primeiros enterros.
Reagindo ao ocorrido, o papa Francisco expressou neste domingo sua "grande dor" pelo atentado. "Ontem recebemos com grande dor a notícia do terrível massacre em Ancara, na Turquia", disse o Papa, depois de rezar o Ângelus na Praça de São Pedro.
"Dor pelos muitos mortos. Dor pelos feridos. Dor porque os terroristas atentaram contra pessoas desarmadas que se manifestavam pela paz", disse o pontífice.
"Enquanto rezo por este querido país, peço ao Senhor que acolha as almas dos mortos e que console os que sofrem e seus familiares. Rezemos em silêncio. Todos juntos", concluiu Francisco dirigindo-se aos milhares de fiéis reunidos na praça.
Eleições se aproximam
A dupla explosão de Ancara aumenta a tensão no país, a três semanas das eleições legislativas antecipadas de 1º de novembro.
Nelas, o presidente Recep Tayyip Erdogan espera recuperar a iniciativa política depois de ter perdido nas eleições de junho a maioria absoluta que possuía no Parlamento há 13 anos.
As eleições serão realizadas três meses após a retomada do conflito armado entre as forças turcas e os rebeldes curdos, contra o qual as vítimas do atentado de Ancara iam se manifestar.
O presidente islamita-conservador Erdogan condenou o ataque e cancelou uma visita prevista ao Turcomenistão, mas desde o atentado ainda não falou em público.
Na falta de reivindicação, Davutoglu apontou como suspeitos os jihadistas do Estado Islâmico, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), atualmente em conflito aberto com Ancara, e a Frente Revolucionária de Libertação do Povo (DHKP-C), de extrema-esquerda.
Erdogan acusa o HDP de ser cúmplice dos "terroristas" do PKK, um grupo ilegal na Turquia ao qual prometeu aniquilar.
Por sua vez, o partido pró-curdo acusa o governo de manter vínculos com os jihadistas do Estado Islâmico.
No dia 20 de julho, 33 militantes da causa curda morreram em Suruç, perto da fronteira síria, em um atentado atribuído ao EI.
O PKK acusou o governo de Ancara de colaborar com os jihadistas para fazer uma frente comum contra os curdos. Valendo-se deste argumento, os rebeldes retomaram seus ataques contra a polícia e o exército, provocando as represálias das forças turcas.
Esta escalada de violência lançou pelos ares as negociações de paz realizadas por Ancara e pelos rebeldes para tentar colocar fim a um conflito que desde 1984 já deixou 40.000 mortos.
O PKK, no entanto, anunciou no sábado horas após o atentado de Ancara a suspensão de sua atividade armada antes das eleições, "salvo se nossos militantes e combatentes forem atacados".
Apesar desta trégua unilateral, o exército turco anunciou neste domingo que desde sábado bombardeou vários alvos do PKK e neutralizou 14 terroristas.