Papa: sem reconciliação, a paz na Colômbia será um fracasso

O papa Francisco alertou nesta sexta-feira (8) que a paz na Colômbia fracassará sem um compromisso com a reconciliação entre vítimas e carrascos
AFP
Publicado em 08/09/2017 às 15:37
O papa Francisco alertou nesta sexta-feira (8) que a paz na Colômbia fracassará sem um compromisso com a reconciliação entre vítimas e carrascos. Foto: Foto: AFP


O papa Francisco alertou nesta sexta-feira (8) que a paz na Colômbia fracassará sem um compromisso com a reconciliação entre vítimas e carrascos depois de décadas de violento conflito armado.

Em Villavicencio, uma zona castigada pela violência que Francisco visitou em seu terceiro dia na Colômbia, o Papa colocou no centro de sua pregação as pessoas que sofreram com o confronto entre Estado, guerrilhas, paramilitares e traficantes de drogas.

"Todo o esforço pela paz sem um compromisso sincero de reconciliação será um fracasso", afirmou Francisco durante missa campal em Villavicencio.

O Papa, que pediu para que os colombianos não se rendam à vingança e ao ódio, apoiou o acordo de paz com os rebeldes das Farc. A Igreja católica, que perdeu dois bispos e 89 sacerdotes no conflito, também acompanha os diálogos que, com o mesmo objetivo, o governo começou com a guerrilha do ELN.

"Quando as vítimas vencem a compreensível tentação da vingança, se convertem nos protagonistas mais legítimos dos processos de construção da paz", afirmou.

Na missa, Francisco beatificou o bispo Jesús Emilio Jaramillo e o padre Pedro María Ramírez, que morreram em diferentes circunstâncias na violência política colombiana.

O bispo Jaramillo morreu em 2 de outubro de 1989 nas mãos do ELN, um movimento de guerrilha inspirado pelo movimento católico da Teologia da Libertação - que o censurava por sua proximidade com os militares.

Pablo Beltrán, chefe negociador do ELN nos diálogos de paz com o governo, descreveu sua morte como um "erro" e pediu "perdão".

Ramírez morreu em 10 de abril de 1948, um dia após o assassinato do líder liberal Jorge Eliécer Gaitán. O sacerdote teve as mãos amputadas a golpes de machado por seguidores de Gaitán, que acusaram a Igreja de se aliar a seus adversários conservadores e incitar a morte dos liberais.

Na homilia, Francisco disse que os dois religiosos mortos simbolizavam "a expressão de um povo que quer abandonar o pântano da violência e do ressentimento".

Francisco alertou que a paz na Colômbia fracassará sem um compromisso com a reconciliação entre vítimas e algozes depois de décadas de violento conflito armado. 

"Todo o esforço pela paz sem um compromisso sincero de reconciliação será um fracasso", afirmou Francisco.

Francisco verde 

Em Villavicencio, o Papa voltou a defender "uma reconciliação com a natureza".

"Não é casual que, inclusive, sobre ela tenhamos desatado nossas paixões possessivas, nosso afã de submissão", reprovou.

Alcides Mejía, um indígena do povoado zenú, situado no noroeste do país, percorreu a Colômbia de um extremo ao outro para reivindicar perante Francisco os direitos dos povos aborígenes.

"Temos muitos indígenas deslocados há 500 anos e somos discriminados pelo povo colombiano", explicou o guarda indígena.

"Os indígenas jamais se ajoelharão ante o papa", acrescentou Mejía, cujo território no departamento de Antioquia foi por anos zona de disputa de diferentes grupos armados.

Cerca de 1.500 indígenas chegaram a Villavicencio, a 70 km de Bogotá, para encontrar o papa. Representantes das etnias fizeram um ato em sua homenagem e subiram ao altar durante a missa.

"Queremos que o papa ajude o mundo a proteger a água e os povos indígenas", declarou Luis Alfredo Acosta, coordenador nacional da Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC).

O sumo pontífice se dirigirá e ouvirá as vozes de indígenas, negros e camponeses, assim como a de ex-guerrilheiros e agentes do Estado, que se enfrentaram por décadas.

Ainda hoje, Francisco conduzirá uma grande oração pela paz e o perdão em um ato que contará com a presença da imagem do mutilado Cristo de Bojayá.

A imagem, sem braços ou pernas, ficou semidestruída por um artefato explosivo jogado por guerrilheiros contra uma igreja em que se refugiava uma comunidade negra em meio a um combate entre militantes das Farc e paramilitares em 2002: 79 pessoas morreram.

Carta de Timochenko 

Na véspera, o papa levantou sua voz contra o sentimento de revanche que possa gerar um conflito que deixou 7,5 milhões de vítimas - entre mortos, desaparecidos e deslocados -, agora que o presidente Juan Manuel Santos assinou a paz com as Farc e tenta fazer a mesma coisa com o ELN.

Tanto as Farc quanto o Exército de Libertação Nacional (ELN) se apoiaram na Igreja católica para negociar a paz. O segundo grupo, comandado até os anos 1990 por um sacerdote espanhol, acertou seu primeiro cessar-fogo bilateral em meio século de levante às vésperas da visita de Francisco, que retornará no domingo a Roma.

O pontífice mostrou-se enérgico em sua reunião com os bispos colombianos, aos quais lembrou que não "são políticos" e devem dar o primeiro passo "rumo a paz definitiva", ante algumas vozes críticas que surgiram no clero contra a paz com as Farc.

Em uma carta pública ao Sumo Pontífice, Rodrigo Londoño, mais conhecido como Timochenko, chefe das Farc, agora partido político, suplicou "o perdão por qualquer lágrima ou dor" causadas por seus homens.

"Mais que o perdão, é preciso que nos sejam entregues os ossos. Isso é o que peço a Timochenko, para ter onde ir rezar por nossos familiares", afirmou à AFP Jesús Corrales, representante de um grupo de vítimas do Valle del Cauca (sudoeste).

Vestido de branco, o homem de 52 anos afirmou ter sido vítima tanto da guerrilha como dos paramilitares: dos primeiros porque achavam que ele era um informante do governo e dos outros porque chegou como deslocado à zona.

Francisco regressará esta tarde a Bogotá e, no sábado, viajará a Medellín antes de concluir sua visita à Colômbia em Cartagena, cidade turística com profundas desigualdades sociais. 

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