Desde o final da Guerra Fria, nos anos 1990, o mundo nunca esteve tão próximo de uma guerra direta entre dois países que desenvolveram armas atômicas quanto agora, com a crise internacional entre Coreia do Norte e Estados Unidos. Os testes do país comunista mostram que os coreanos já são capazes de disparar mísseis sobre a Coreia do Sul, o Japão e possessões americanas no Pacífico, como a ilha de Guam, embora ainda sem precisão. Buscando se consolidar como potência nuclear para ter influência internacional contra sanções econômicas e tornar mais caro o custo de uma intervenção militar em seu território, os norte-coreanos trabalham para aprimorar seu projeto balístico intercontinental, ampliando seus alvos para regiões mais distantes, como a costa oeste americana. A escalada verbal de líderes como o arredio ditador Kim Jong-Un e o colérico presidente Donald Trump tem rapidamente caminhado para longe de uma solução diplomática.
Para três especialistas em Relações Internacionais ouvidos pelo JC, a saída mais provável para a região ainda é um acordo multilateral. Uma guerra na península seria desastrosa para economias pujantes como as do Japão e Coreia do Sul. Seul, a capital sul-coreana que abriga quase 10 milhões de habitantes, fica a apenas 50 quilômetros da fronteira e se transformaria logo numa zona de batalha. Mesmo sem o uso de ogivas nucleares, estima-se que entre 60 mil e 70 mil pessoas morreriam no primeiro dia do conflito entre os dois países. Em semanas, esse número saltaria para a casa dos milhões. A última Guerra da Coreia, nos anos 1950, levou três anos para chegar ao armistício e terminou com as duas nações sob escombros.
“A Coreia do Norte tem dois interesses. O primeiro é relacionado ao ambiente político interno. O Kim Jon-Un precisa mostrar força para a base do seu regime, formada por militares de um viés bastante forte, para garantir o apoio doméstico daqueles que dão suporte à permanência de um regime ditatorial”, explica o professor Juliano da Silva Cortinha, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). “Também é importante para ele estabelecer um padrão forte de negociação no cenário internacional. Todos os países que foram incluídos no chamado Eixo do Mal foram atacados ou sofreram fortes sanções. A Coreia do Norte viu no armamento nuclear uma forma de evitar um possível ataque internacional”, explica.
Quem deve ter um papel central na solução é a China, cujo apoio político e econômico é fundamental para o regime norte-coreano. O presidente Xi Jinping tem buscado mostrar força, mas os chineses não têm interesse numa guerra que possa trazer tropas americanas e um possível conflito nuclear para a fronteira, além de empurrar para o território chinês milhares de refugiados. “Me parece óbvio que nem a Rússia nem a China vão embarcar em um conflito com potencial nuclear com os Estados Unidos. Eles também deram sanções ao regime, se alinhando aos americanos e à Europa. Porém podem ter uma intervenção defendendo a Coreia do Norte. Nada impede eles de mostrar poder, importância e capacidade de interferir na região”, avalia Yann Duzert, professor de Negociação de Conflitos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Se a guerra não interessa a nenhum lado, o risco fica por conta das personalidades histriônicas de Kim Jon-Un e Trump, que trocam xingamentos públicos e prometem “fogo e fúria” em uma questão tão intricada quanto complicada. “De fato, estamos lidando com dois chefes de Estado que são destrambelhados”, avalia Marcos Costa Lima, professor de Política Internacional da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Não acredito que esse enfrentamento vá prosperar. Seria um projeto totalmente insano dos dois lados”, projeta, porém.