O Parlamento da Catalunha declarou nesta sexta-feira (27) a independência, uma decisão rechaçada pela comunidade internacional, à qual o governo central de Madri reagiu com a destituição do presidente regional, Carles Puigdemont, de seu Executivo, e a convocação de eleições regionais para 21 de dezembro.
As primeiras medidas para "recuperar a normalidade legal" na Catalunha, segundo Rajoy, foram tomadas depois que o Senado autorizou nesta mesma sexta-feira (27) ao governo espanhol a aplicação do artigo 155 da Constituição, que lhe dá poderes extraordinários para preservar a unidade do país.
Rajoy havia convocado um conselho extraordinário de ministros às 18H00 locais (12H00 de Brasília) para detalhar as primeiras medidas de Madri à declaração de independência catalã.
A procuradoria-geral anunciou uma queixa-crime na semana que vem contra o presidente catalão, Carles Puigdemont, de 54 anos, por "rebelião", um crime pelo qual pode ser condenado a até 30 anos de prisão.
A escalada deste dia extraordinário foi o auge de uma longa e esgotadora queda de braço de vários anos entre Madri e Barcelona.
A disputa começou em plena recessão econômica na Espanha, a partir de 2010, junto com as históricas reivindicações de mais autogoverno de nacionalismo catalão, que foi se radicalizando progressivamente.
Essa radicalização, no entanto, provocou uma profunda divisão na sociedade catalã.
O cisma apareceu claramente no próprio plenário do Parlamento, onde uma maioria nacionalista aprovou a declaração solene com a ausência da oposição, quase metade dos deputados, que deixaram seus assentos em protesto contra uma votação anticonstitucional.
"Constituímos a República catalã, como Estado independente e soberano, de direito, democrático e social", proclamou a resolução aprovada por uma coalizão de nacionalistas.
Quinze mil pessoas receberam com alegria a votação de 70 votos favoráveis, 10 contrários e dois em branco.
"Custou-nos tanto chegar a este momento", disse Judith Rodríguez, uma trabalhadora social de 38 anos, com lágrimas nos olhos. "Estou muito emocionada, muito contente, de por fim avançar e construir uma república, um país novo, a partir do zero", declarou à AFP.
À noite, milhares de separatistas catalães também se reuniram nas praças de várias cidades como Barcelona, Gerona e Tarragona para comemorar sua "República".
Enquanto isso, em Madri, as autoridades se movimentavam com celeridade para evitar este cenário em um dos motores econômicos do país, com cerca de 20% do PIB espanhol.
O Senado aprovou a aplicação do artigo 155 por 214 votos a favor, 47 contra e uma abstenção.
A aplicação do artigo 155 não está isenta de dificuldades porque implica em gerenciar mais de 200 mil funcionários regionais e municipais da Catalunha.
Os independentistas catalães baseiam sua força nas mobilizações e nas centenas de ajuntamentos que deram seu apoio à aventura secessionista.
Duzentos prefeitos estavam presentes no plenário do Parlamento, que prometeram obedecer apenas à nova "República" catalã.
"Hoje é champanhe, amanhã é vinagre", resumiu Pedro Haro, um mecânico de 61 anos, nos arredores do Parlamento.
Diante do desafio separatista, a União Europeia manifestou seu apoio ao governo de Mariano Rajoy.
"Para a UE, nada muda. A Espanha continua sendo o nosso único interlocutor", tuitou o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.
"A UE não precisa de mais divisões", afirmou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
"Não devemos interferir nesse debate, mas não gostaria que amanhã a União Europeia viesse a ter 95 Estados-membros", declarou Juncker à imprensa, durante uma visita à Guiana Francesa acompanhado do presidente francês, Emmanuel Macron.
Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Portugal apoiaram o governo espanhol.
Os Estados Unidos consideram a Catalunha "parte integral da Espanha" e aprovam as medidas de Rajoy, declarou o Departamento de Estado.
O Canadá rejeitou a declaração unilateral de independência catalã e clamou pelo diálogo entre Barcelona e Madri.
"De acordo com princípios legais, estas decisões precisam ser tomadas no enquadramento constitucional", disse Andrew Leslie, secretário parlamentar do ministro de Relações Exteriores canadense, na Câmara dos Comuns.
"Isto posto, o Canadá reconhece uma Espanha unida", reforçou.
O governo catalão conta com 16.000 agentes, os chamados Mossos d'Esquadra.
Esta corporação policial passará inevitavelmente ao controle do governo central, que já mobilizou ainda milhares de policiais e guardas civis na região.
A atitude do separatismo catalão foi até agora majoritariamente pacífica durante suas grandes mobilizações.
"Vêm horas em que todos teremos que manter o pulso deste país" com "calma e dignidade", declarou Puigdemont aos deputados, prefeitos e públicos reunidos no Parlamento.
O sonho de uma República é antigo na região. A última vez que a Catalunha, uma região com idioma próprio e forte identidade, tentou proclamar a independência foi em outubro de 1934, quando o então presidente Lluís Companys anunciou uma "República catalã" dentro de uma "República federal espanhola", que terminou em fracasso.
Mas a Catalunha, assim como o País Basco, recuperou suas instituições de autogoverno com a volta da democracia à Espanha. Foram as duas primeiras comunidades a consegui-lo, em dezembro de 1978.
Rajoy convocou eleições regionais para 21 de dezembro.
A Catalunha foi às urnas há dois anos, e dali surgiu a atual maioria independentista que avisou que seu objetivo era conseguir a sonhada secessão, com ou sem a colaboração de Madri.
Apesar das advertências do governo e do Tribunal Constitucional, conseguiram organizar um referendo em 1º de outubro, sem garantias nem censo válido.
Apesar disto, o governo regional o considerou válido, assegurando ter havido 90% de votos 'sim' à separação e participação de 43%.
A bolsa de Madri sentiu o baque após a declaração de independência votada no Parlamento: recuou 1,45%, com os valores bancários liderando as perdas.