Os impactos da mudança climática "nunca foram tão graves" e devem levar a comunidade internacional a "fazer muito mais" para freia-los, pediu neste domingo (02) a autoridade para o clima da Organizações Unidas (ONU) no primeiro dia da COP24. As delegações de 200 países estão reunidas na Polônia para esta 24ª Conferência do Clima da ONU que deve permitir colocar nos trilhos o Acordo de Paris.
"Este ano deverá ser um dos quatro mais quentes já registrados. As concentrações de gases do efeito estufa na atmosfera atingiram um nível recorde e as emissões continuam aumentando", declarou Patricia Espinosa em um comunicado. "Os impactos da mudança climática nunca foram tão graves. Esta realidade nos diz que devemos fazer muito mais. A COP24 deve tornar isso possível", acrescentou.
A mudança climática "já atinge comunidades em todo o planeta" e as "vítimas, destruição, sofrimento" decorrentes "tornam o nosso trabalho mais urgente", estimou.
A cidade de Katowice, na Polônia, abre hoje (2) a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 24). Sob o clima gelado do inverno polonês, a ONU começa as negociações com a expectativa de que os 196 países-membros possam fazer um plano de ação e mostrem como vão implementar o chamado Acordo de Paris, firmado em 2015 pelas nações com o objetivo de conter as emissões de gases de efeito estufa e manter o aumento da temperatura global abaixo de 2º, se possível em até 1,5º.
O objetivo da Conferência da ONU este ano é aprofundar a questão dos financiamentos de ações climáticas, considerando a meta de doação de pelo menos US$ 100 bilhões por ano de países desenvolvidos para as nações de menor renda. A organização também pretende estimular que os países desenvolvam planos para dar início ao cumprimento das metas a partir de 2020, prazo determinado pelo Acordo de Paris.
Entre as ações que devem ser promovidas está a proteção de florestas e outros ecossistemas que têm a capacidade de absorver gases causadores do efeito estufa, além do fortalecimento de ações de adaptação e de redução da vulnerabilidade aos efeitos das mudanças climáticas.
Durante a conferência, que será encerrada em 14 de dezembro, a pequena cidade de Katowice, que tem aproximadamente 300 mil habitantes, deve receber cerca de 11 mil delegados de vários países. A cidade tem mais de 150 anos e tradicionalmente é associada à exploração de carvão e à indústria pesada.
Nos últimos anos, a área de mineração de carvão, principal base energética da Polônia, foi revitalizada na cidade, que tem se tornado referência por adotar novas tecnologias, modernizar o setor de negócios e atrair investimentos sustentáveis. Katowice tem se destacado nos esforços de minimizar os efeitos da degradação ambiental e diminuir a poluição do ar, considerado um dos grandes problemas ambientais da Polônia.
A delegação do governo brasileiro, representada por membros do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente, entre outros órgãos do governo federal, da academia e da sociedade civil, está mais enxuta este ano. O grupo vai se debruçar nas próximas duas semanas em mais de 190 itens da agenda da COP da Polônia.
Segundo o secretário de Mudança do Clima e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Thiago Mendes, o Brasil deve se destacar no chamado Diálogo de Talanoa, momento em que os países compartilham diferentes experiências e esforços empreendidos para contenção das emissões de gás carbônico. O secretário explicou que no Brasil foram realizadas sete rodadas deste tipo de Diálogo, nas quais foram encontradas 130 iniciativas que promovem baixas emissões de CO2 do setor privado e da sociedade civil, em todas as regiões do país.
Deste total, o MMA escolheu 42 projetos que serão apresentados pelo ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, no final do Dialogo de Talanoa global, durante a COP 24. “Isso foi muito inovador, porque a gente não viu nenhum país trabalhando nessa mesma linha, com o número de casos tão vastos e tão diverso”, comenta Mendes, que também é especialista em Relações Internacionais.
“O que a sociedade brasileira está nos indicando que é a favor do desenvolvimento sustentável e já tem feito uma série de atividades para ao avanço dessa agenda de movimentos resilientes com baixas emissões de CO2. Tem casos de sucesso muito fortes, desde construção vinculada a biocombustíveis, organização de comunidades para reflorestamento, geração de energia eólica e fotovoltaica”, completa Mendes.
O secretário disse também que o Brasil apresentará “dados sólidos” de redução do desmatamento nos últimos dez anos. Uma das metas assumidas pelo Brasil é reduzir a área desmatada na Amazônia a menos de 3,9 mil km² até 2020.
“Mesmo tendo variações que sobem e descem, essas variações são muito pequenas em relação ao montante total da redução. Caímos mais de 20 mil km² para cerca de 7,9 mil km². Tudo bem que a de 2018 é a maior dos últimos 10 anos, mas durante a última década, estamos 72% abaixo do que era em 2004”, afirmou.
O coordenador-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Alfredo Sirkis, avalia que o Brasil ainda tem condições técnicas de cumprir as metas a partir de 2020. Apesar das discrepâncias entre algumas metas nacionais com as firmadas em âmbito internacional, o Brasil pode chegar a uma redução da emissão de carbono a 1,2 gigatoneladas em 2030, segundo estudo do Fórum.
O pesquisador ressalta que as medidas em curso na área florestal, na agricultura, no sistema de transportes e na indústria para contenção do aumento da temperatura não prejudicam o desenvolvimento econômico e social. A busca da redução nas emissões também pode atrair investimentos para o país, segundo projeções dos especialistas.
“Por exemplo, na área de agricultura, as medidas de baixo carbono são todas muito boas para negócios, fazem muito sentido do ponto de vista empresarial. A redução do desmatamento é fundamental, porque garante o clima que permite a agricultura continuar crescendo sem grandes problemas. Muitos agricultores já perceberam claramente que o desmatamento é muito ameaçador pra eles. Por outro lado, do ponto de vista da indústria, dos transportes, optar por biocombustíveis, onde o Brasil tem uma vantagem competitiva, e mesmo acelerar a eletrificação dos veículos, são coisas positivas do ponto de vista econômico”, explica.
Durante a COP 24, os delegados esperam que sejam discutidas estratégias concretas de longo prazo que devem ser adotadas pelos países para descarbonizar suas atividades econômicas. Sirkis acredita, no entanto, que este ano não sairá uma grande decisão das rodadas de negociação de alto nível, como ocorreu nas conferências de Paris (2015) ou de Copenhage (2009).
O pesquisador comenta que, devido a alguns fatores negativos do contexto mundial no momento, a COP da Polônia terá uma importância de natureza política. Ele cita que poderão ter certo peso durante as discussões o anúncio feito pelo presidente norte-americano, Donald Trump, de tirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, além dos acenos similares do futuro governo brasileiro. Resultados dos últimos relatórios da comunidade científica apontam que os países devem triplicar os esforços de descarbonização de suas economias para atingir as metas de contenção do aquecimento extremo do clima.
“Até um tempo atrás se julgava que iríamos chegar até 2050 com reduções de cerca de 60%, 70% das emissões, comparado com 1990, que é um ano base que a União Europeia usa. E hoje se chega à conclusão de que é necessário zerar as emissões líquidas em algum ponto entre 2050 e 2060, isso pra poder realmente garantir o cenário de 2 graus e uma chance pra termos o cenário de 1,5 grau”, comenta.
O pesquisador ressalta que ainda assim o evento é importante para chamar a atenção do mundo para o problema do aquecimento da temperatura. “A COP é um momento de atenção mundial sobre o que está acontecendo com o clima, um momento de mobilização da mídia e da opinião pública em nível internacional. Nesse sentido, a COP é sempre importante porque é quando que você faz o balanço de tudo o que ocorreu e como você vê o futuro”.
Para o ambientalista, o Brasil terá uma participação mais tímida este ano, devido ao cenário político interno e à retirada da candidatura do país para sediar a COP 25 no ano que vem. Ele avalia que o Brasil poderá perder o papel de articulador que construiu ao longo dos últimos anos e que a delegação brasileira estará em situação difícil pela primeira vez na história, desde 1992, quando sediou a Rio 92
“A delegação brasileira vai estar profundamente constrangida e inibida com a situação. E o Brasil que sempre foi vanguarda nos processos negociadores, sempre teve um grande papel de articulação dos outros países, possivelmente será o mais discreto possível”, avalia.
Na opinião de Sirkis, o Brasil tinha condições financeiras de realizar a COP e poderia recuperar grande parte das despesas pela movimentação turística de 30 mil pessoas que participariam do evento no país. “Ou seja, não havia uma equação econômica que justificasse a não realização da COP. O problema foi essencialmente de natureza política”, opinou.
Para o secretário de Mudança do Clima do MMA, Thiago Mendes, o Brasil tem ainda condições de manter sua influência. Contudo, ele reconhece que há uma preocupação sobre o impacto de intenções de não cumprimento do Acordo de Paris possa ter sobre outros países, principalmente desenvolvidos.
“Eu não acredito que nossa participação vá ser alterada, porque historicamente o Brasil sempre teve uma delegação com um nível de qualificação muito forte e alto. Isso não mudou. O que há é uma ausência de liderança dos países desenvolvidos. Com o posicionamento da administração Trump, você tem uma sinalização para outros países desenvolvidos seguirem o mesmo caminho [de sair do Acordo de Paris]”, diz.
O secretário do MMA reforça que percebeu uma baixa adesão de países desenvolvidos aos compromissos e esforços de redução das emissões. Mendes espera que durante a Conferência os países assumam compromissos mais fortes para que os países em desenvolvimento também tenham condições de fortalecer suas ações.
“A gente está percebendo é que os países desenvolvidos não estão cumprindo com as regras que estão debaixo da convenção. Isso gera um desconforto muito grande, porque eles não estão cumprindo nem suas metas de redução de carbono, nem as metas de apresentação de doações financeiras. A nossa preocupação é que isso possa gerar uma falta de ambição na construção das regras de Paris”.
Para Sirkis, as discussões em torno das mudanças climáticas devem focar na realidade e nas informações que têm sido divulgadas por importantes estudos da área climática. Ele considera preocupantes os posicionamentos que menosprezam os esforços dos cientistas e que avaliam suas projeções como alarmistas.
“Eu acho que é urgente desideologizar essa discussão da questão climática. E remover coisas que são absolutas fantasias. Essa história, por exemplo, de que o acordo de Paris em alguma coisa ameaça a nossa soberania, é totalmente descabida. O acordo de Paris foi muito cioso em levar em consideração a soberania de todos os países, tanto que as metas apresentadas são voluntárias”, avalia Sirkis.