Editorial: A degradação de quem está a beira dos canais no Grande Recife

Dos alagamentos à ameaça de desabamentos nas áreas de risco nos morros, a população vê a queda de água do céu com a expectativa do estresse e da tragédia
JC Online
Publicado em 25/04/2018 às 10:01
Dos alagamentos à ameaça de desabamentos nas áreas de risco nos morros, a população vê a queda de água do céu com a expectativa do estresse e da tragédia Foto: Foto: Arte/JC


Dia de chuva na Região Metropolitana do Recife é um suplício. Dos alagamentos à ameaça de desabamentos nas áreas de risco nos morros, a população vê a queda de água do céu com a expectativa do estresse e da tragédia. Se mesmo uma razoável condição de vida não poupa ninguém do sofrimento, imagine-se o que passa a cidadania das margens, o subcidadão cujo mero local de habitação já é sinal de suplicante cotidiano.

Na edição de ontem, o JC mostrou a degradação a que estão sujeitos os habitantes das beiras dos canais no Grande Recife - onde a 'Veneza brasileira' e os municípios vizinhos produzem cenas que não estão nos cartões postais. A rotina degradante traz o aumento do risco, no acúmulo de lixo movido pelo volume de água além do normal.

O descarte irregular dos resíduos do consumo e a coleta, igualmente irregular e insuficiente, desses resíduos por parte das prefeituras, agravam a situação. Quanto maior a sujeira, mais infestada a rotina. 'Convivemos com ratos e baratas. É comum crianças caírem no canal', testemunha Soraia Leite, moradora de uma comunidade no bairro de Afogados, no Recife. 

Prejuízos

O improviso das construções apinhadas de gente e sujeira revela a omissão do poder público. Que abdica da função de planejador das cidades, e se exime do zelo básico com a população, ao permitir a ocupação desordenada das margens dos canais. A reportagem de Margarida Azevedo retrata como o descontrole urbano emerge com as águas acumuladas pelas chuvas. O passivo metropolitano nesse quesito - como em outros - é enorme, desafiando a gestão pública e expondo a população à insalubridade e ao perigo. Além de contribuir para piorar os alagamentos, devido às dificuldades para se proceder a limpeza de canais com as
margens ocupadas pelos casebres.

A sobreposição de problemas acumulados manifesta dimensões sociais, ambientais, econômicas, políticas e culturais, que se relacionam umas às outras. Do lado social, as margens habitadas são a morada dos excluídos - o refugo da sociedade em que se enxerga a cultura da convivência com o absurdo e o desumano. As faces ambiental e econômica estão interligadas no modo de vida de consumo intensivo e baixos níveis de consciência e sustentabilidade. Poluição é prejuízo, que se reparte por todos, mas aflige muito mais às comunidades periféricas.

Há ocupações que existem - resistem - por décadas à beira dos canais, indicando a extensão histórica do descontrole urbano. E ainda, formando subcidades dentro das cidades, bairros que são quase guetos de acesso complicado e nenhuma infraestrutura. Sem ter aonde ir, e morando num não-lugar, os moradores dos canais do Grande Recife não esperam dias melhores. No máximo, torcem para que os dias piores, como esses de chuva torrencial, não sejam numerosos.

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