Economistas que assessoram o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) preparam um plano para ampliar vagas em creches, que prevê ensino religioso para crianças de 0 a 3 anos. Direcionado para famílias pobres, com renda per capita de até um salário mínimo, pretende universalizar o acesso à creche para essa faixa. Segundo o documento ao qual o Estado teve acesso, para alcançar essa meta, o governo repassaria dinheiro para instituições não governamentais, como igrejas, e para pais que optarem por escolas particulares.
Hoje, há creches conveniadas às prefeituras, mas as instituições sem fins lucrativos precisam provar que já trabalham com educação. O projeto cita que "serão estipulados indicadores da qualidade dos serviços", com punição de descredenciamento para as instituições que não cumprirem os requisitos. A proposta não detalha, porém, como será a seleção das entidades.
Segundo apurou o Estado, a ideia em análise prevê que convênios com escolas privadas sejam feitos por meio da política conhecida como vouchers, alinhada com o projeto liberal do economista Paulo Guedes, que coordena boa parte do plano de governo de Bolsonaro. Por esse sistema, o governo repassaria dinheiro às famílias pobres para que elas paguem creches privadas. O presidente americano Donald Trump deu ênfase aos vouchers. Mas o sistema ainda é controverso por lá. Estudos sobre estados americanos que adotaram a política não indicam melhora na qualidade do ensino.
No Brasil, só 30% das crianças de 0 a 3 anos estão em creches. O Plano Nacional de Educação prevê que o atendimento seja de 50%. Pesquisas têm mostrado que a educação infantil de qualidade é crucial para o desenvolvimento.
O custo do projeto seria de R$ 49 bilhões, o equivalente a metade do orçamento atual do Ministério da Educação (MEC). Os cálculos foram feitos por Alexandre Ywata e Adolfo Sachsida, ambos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), uma fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Eles têm papel de destaque nas discussões do programa de Bolsonaro e atuam na campanha em suas horas vagas.
A proposta prevê que o governo federal repasse R$ 7 mil por aluno ao ano e projeta vagas para cerca de 6 milhões de crianças que estão fora das creches. "É interessante a ideia de priorizar as vagas para os mais vulneráveis, mas não consigo saber de onde vai sair tanto dinheiro", diz a especialista em financiamento da educação Mariza Abreu. Segundo ela, a previsão é que o MEC destine este ano R$ 13,6 bilhões para todo o ensino básico, que inclui creches, pré-escolas, fundamental e médio, por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). "Difícil usar quase quatro vezes esse valor só para creche."
Os desembolsos começariam em 2019. No primeiro ano, seriam R$ 12 bilhões, para famílias com renda de até um quarto de salário mínimo per capita. O montante seria elevado gradualmente até chegar a R$ 49 bilhões. A elevação de gastos seria compensada pelo fim de desonerações tributárias - isenções dadas a empresas, que tiveram o pagamento de tributos reduzido temporariamente. O programa de Bolsonaro considera como "fundamental" a redução das renúncias fiscais.
O problema é que o mesmo programa fala em zerar já em 2019 o déficit nas contas públicas. Como ele já prometeu que não irá aumentar impostos, a equipe de Guedes terá de promover um expressivo corte de despesas. A elevação de gastos significaria, no mínimo, um esforço maior de cortes em outras áreas.
Creches com ensino religioso também são vistas com ressalvas. Segundo a lei, ele pode ser oferecido só no ensino fundamental (1.º ao 9.º ano) e "com respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo". Em 2017, no entanto, o Supremo Tribunal Federal declarou que não era inconstitucional oferecer ensino confessional - direcionado a uma religião.
"A pedagogia não pode estar submetida à orientação religiosa. A escola é um lugar de diversidade, ainda mais a educação infantil, que é a primeira instituição da criança", diz a professora da Universidade Federal de Minas Gerais Monica Baptista. Ela defende que a ampliação se dê com creches públicas e parâmetros de qualidade já definidos.
No programa de Fernando Haddad, a ampliação de vagas em creche também aparece como prioridade, mas a estratégia é outra. O ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo propõe apoiar "fortemente os municípios" para a criação de vagas "com qualidade".
O programa afirma que o cuidado com a primeira infância - período que vai do nascimento da criança até os 6 anos - será "uma diretriz estratégica do governo, de caráter transversal, com ações de proteção integral, em todas as áreas". Haddad também defende políticas voltadas para a pré-escola. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.