O então presidente Fernando Henrique Cardoso barrou uma indicação, em 1996, para que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ocupasse o cargo de diretor comercial na Petrobras.
O caso é narrado no primeiro volume dos "Diários da Presidência", livro que será lançado no final do mês com as memórias de FHC durante seus oito anos (1995-2002) no governo e que teve trechos antecipados nesta segunda-feira (5) pela revista "Piauí".
A indicação de Cunha partiu de um grupo de deputados e foi negada por Fernando Henrique.
"Imagina! O Eduardo Cunha foi presidente da Telerj, nós o tiramos de lá no tempo de Itamar porque ele tinha trapalhadas, ele veio da época do Collor. Eu fiz sentir que conhecia a pessoa e que sabia que havia resistência, que eles estavam atribuindo ao Eduardo Jorge; eu disse que não era ele e que há, sim, problemas com esse nome. Enfim, não cedemos à nomeação", escreve.
FHC gravava, diariamente, suas experiências no Planalto com a ajuda de um gravador. As fitas cassete foram decupadas para o livro. O primeiro volume reúne quase 90 horas de gravação. Outros três volumes estão previstos para serem publicados até 2017.
Nos trechos antecipados pela revista, Fernando Henrique também lamenta o episódio que ficou conhecido como "Massacre de Eldorado dos Carajás", quando a ação da Polícia Militar do Pará para desbloquear uma rodovia durante protesto do MST resultou em 19 sem-terra mortos e 69 feridos -"foi um massacre"- e alfineta o PT.
FHC diz que o episódio não tinha relação direta com a reforma agrária, embora parecesse que tudo fosse consequência disso. "Tudo bem, é normal que assim seja, mas essa também é uma nova política do PT e associados, de acabar jogando a culpa no governo federal, pois a reforma agrária está no plano federal. O que, aliás, é outro erro", diz.
Antes, após um encontro com o então prefeito de Belo Horizonte, o petista Patrus Ananias -que enfrentava uma onda de greves-, ele já havia reclamado do PT. Disse que "o pessoal do PT está tornando a sua [de Ananias] vida insuportável".
TOMA LÁ, DÁ CÁ
Outra queixa de FHC registrada no livro é sobre a troca de cargos por apoio político no Congresso. Na época, ele queria implementar reformas, e para isso precisava do apoio do PPB -sigla hoje extinta e que deu origem ao PP-, de Paulo Maluf, que ameaçava ir para a oposição.
O partido não aceitava receber o Ministério da Reforma Agrária sem levar também o Incra. Em abril de 1996, o então líder do governo na Câmara, deputado Luiz Carlos Santos (que, depois, assumiria o Ministério da Coordenação de Assuntos Políticos de FHC), sugeriu que também fosse cedido ao PPB o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo.
"Isso para mim é dolorido, por causa da Dorothea [Werneck, então chefe da pasta], que é uma ministra de quem eu gosto, e ela tinha que ser avisada dessa manobra", afirmou.
FHC conta que a ministra reclamou que estavam fazendo um "pacto com o diabo, que o PPB não vai funcionar, que o [Francisco] Dornelles vai arrebentar o trabalho todo do Ministério de Indústria e Comércio, tem medo da corrupção."
O então presidente afirma que foi ficando com raiva de si mesmo.
"Enfim, começo a sentir o travo amargo do poder, no seu aspecto mais podre de toma lá, dá cá, porque é isto: se eu não der algum ministério, o PPB não vota; se eu não puser o Luiz Carlos Santos, o PMDB não cimenta, e muitas vezes -o que Dorothea diz tem razão- fazemos tudo isso e eles não entregam o que prometeram."