Em parecer enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu que seja declarado inconstitucional trecho da reforma política sancionada pela presidente Dilma Rousseff que ressuscitou a chamada doação oculta, aquela em que não é possível identificar o vínculo entre doadores e candidatos.
O mecanismo, no entanto, vale para contribuições de pessoas físicas, que são autorizadas a fazer repasses de até 10% dos rendimentos do ano anterior.
Numa referência indireta à Operação Lava Jato, o procurador-geral afirmou que "não pode haver espaço para mistério e clandestinidade nas relações jurídicas praticadas nesse momento delicado da vida democrática de uma nação". Um das linhas de investigação no esquema de corrupção da Petrobras é se a propina desviada foi repassada por meio de doações eleitorais.
Segundo Janot, no processo eleitoral, é preciso que haja o "máximo acesso possível dos cidadãos a informação dos atos de campanhas".
"Trata-se de momento crucial na democracia, no qual está em jogo a aquisição legítima do poder e a representação dos cidadãos pelo subsequente mandato dos eleitos. Não parece nem mesmo aceitável cogitar de que doações a candidatos sejam imunes ao escrutínio de seus concorrentes e, principalmente, da cidadania e de órgãos vocacionados ao controle jurídico, como o Ministério Público", afirmou.
Para o procurador-geral, a doação oculta dificulta o combate à corrupção e ao abuso de poder econômico. "Fragiliza a tutela da publicidade que deve reger a arrecadação desses recursos, com reflexos negativos na coibição ao abuso do poder econômico e na proteção de valores como legitimidade, moralidade e probidade no pleito."
A lei sancionada por Dilma derrubou a previsão para o financiamento empresarial a campanhas eleitorais e partidos, mas manteve a previsão de repasses de pessoas físicas. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) entrou com uma ação no STF, com pedido de liminar (decisão provisória), para declarar essa regra inconstitucional.
A nova lei prevê que "os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem individualização dos doadores."
A OAB defende que seja aplicado entendimento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contrário às contribuições direcionadas apenas para as legendas, que não permitem identificar a ligação direta entre doador e político beneficiado.
Em abril de 2014, o TSE editou uma resolução barrar essa prática. O tribunal exigiu que as legendas que recebessem recursos de empresas ou pessoas físicas e os repassarem a candidatos teriam que divulgar claramente na prestação de contas a quem pertencia o dinheiro que acabou chegando aos candidatos.
Até então as doações ocultas funcionavam da seguinte forma: uma empresa ou uma pessoa que não queria ter seu nome vinculado ao político fazia a doação ao partido ou ao comitê eleitoral. A legenda ou o comitê "misturavam" o dinheiro em seu caixa único antes de repassá-la ao candidato, dificultando bastante a identificação final entre doador e beneficiado.