Quatro dias depois de ter assumido o cargo de ministro das Relações Exteriores, José Serra embarcou nesse domingo (22) para Buenos Aires. No discurso de posse, ele prometeu fortalecer a parceria com a Argentina, principal sócio brasileiro no Mercosul – o Mercado Comum do Sul, integrado também pelo Paraguai, o Uruguai e a Venezuela. Segundo a consultora argentina Abeceb, nos últimos quatro anos a recessão provocou retração de 42% no comércio bilateral, que caiu de US$ 39,6 bilhões, em 2011, para US$ 23 bilhões em 2015.
Nesta segunda-feira (23), Serra vai se encontrar com o presidente argentino, Mauricio Macri, que tomou posse há cinco meses, depois de 12 anos de governos kirchneristas: Nestor Kirchner foi presidente de 2003 a 2007, e a mulher e sucessora dele, Cristina Kirchner, concluiu o segundo mandato em dezembro de 2015. Ele terá também encontros com a ministra das Relações Exteriores, Susana Malcorra - que na semana passada lançou candidatura à Secretaria-Geral da ONU - e com o ministro das Finanças, Alfonso Prat-Gay.
No discurso de posse, Serra disse que uma das prioridades em curto prazo será a intensificação das relações com a Argentina, com a qual o Brasil passou a “compartilhar referências semelhantes para a reorganização da política e da economia”, renovar o Mercosul “para corrigir o que precisa ser corrigido” e “construir pontes com a Aliança do Pacífico”, integrada pelo Chile, a Colômbia, Costa Rica, o México e o Peru.
A primeira visita oficial de Serra a um país estrangeiro tem também um motivo político: assegurar ao principal parceiro do Brasil que o governo do presidente interino Michel Temer é legítimo e que o processo de impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff é constitucional. Ontem (22) à noite, manifestantes brasileiros em Buenos Aires esperavam o ministro na porta da Embaixada do Brasil, para protestar contra o que consideram “golpe”. Eles prometeram continuar protestando durante toda a estadia de Serra na Argentina.
Um dos temas mais polêmicos mencionados por Serra é a flexibilização do Mercosul, para permitir aos membros negociar acordos bilaterais com terceiros países. A ideia inicial dos criadores do bloco regional era seguir o modelo da União Europeia (UE), que tem um mercado sem fronteiras entre 28 países, uma mesma moeda (o euro) adotada por 19 de seus membros e uma política externa e econômica comum.
Desde a sua criação, há 25 anos, o Mercosul teve altos e baixos: em momentos de crise, seus integrantes voltavam a erguer barreiras comerciais para proteger seus mercados domésticos. Recentemente, o bloco regional também vive um momento político difícil.
Durante a campanha e depois da posse, o presidente Mauricio Macri criticou abertamente o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, pela crise econômica e pela prisão de líderes oposicionistas que, na sua opinião, constitui violação dos direitos humanos.
A antecessora de Macri, Cristina Kirchner, tinha uma relação estreita com o governo venezuelano, que ajudou a Argentina após a crise de 2001, concedendo empréstimos ao país que – por ter decretado moratória da dívida externa – não tinha acesso ao mercado financeiro internacional. Mas, com a queda dos preços das commodities, que moveram a economia regional na última década, a situação mudou.
A queda do preço do petróleo (principal produto de exportação da Venezuela) contribuiu para a grave crise vivida hoje pelo país, que enfrenta inflação anual de 700%, desabastecimento e falta de energia. Em dezembro, a oposição conquistou ampla maioria no Congresso – a primeira vitória em 17 anos de governos socialistas, inaugurados pelo ex-presidente Hugo Chávez.
A Venezuela foi o único país do Mercosul a chamar de “golpe” o impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff. O Uruguai também fez ressalvas ao processo de julgamento político, mas de forma mais discreta. Mal assumiu o Ministério das Relações Exteriores, Jose Serra rebateu as críticas de Maduro – e também as dos governos da Bolívia, do Equador, de Cuba, da Nicarágua e de El Salvador. Em outra nota, o Itamaraty repudiou as declarações do secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) , Ernesto Samper, que no dia do afastamento de Dilma Rousseff advertiu para o risco de “ruptura democrática” no Brasil.
Segundo o analista político argentino Jorge Castro, a visita de Serra é uma demonstração de que o Brasil “está adotando uma posição ofensiva para multiplicar os investimentos” numa economia em recessão. “Para poder voltar a crescer e se recuperar, o Brasil precisa exportar mais. Mas, para fazer isso, terá que abrir seu mercado às importações”, disse.
Na opinião de Castro, Temer e Macri têm visão parecida de como conduzir as economias da região nesta nova fase. “Não se trata de acabar com o Mercosul, mas de aprofundá-lo e, ao mesmo tempo, buscar novas formas para negociar acordos bilaterais”, concluiu.