José Eduardo Cardozo foi ministro da Justiça, deputado e vereador. Mas voltou, este ano, à advocacia para se ocupar de um caso que qualifica como "complexo": defender a presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment.
O julgamento começa na quinta-feira, 25 de agosto, e poucos dias depois o Senado votará se Dilma, afastada em maio, continua no cargo, ou não.
Em meio à crise econômica, sinais de esgotamento da esquerda após quatro mandatos consecutivos e um monumental escândalo de corrupção na Petrobras alimentaram um movimento no Congresso para pôr fim a seu mandato.
E levaram Cardozo ao início de sua carreira.
Aos 57 anos, ele prepara o caso em um apartamento de Brasília que tem a mesa coberta de volumosos livros de Direito. Foi onde o ex-ministro recebeu a AFP, depois de se reunir com Dilma Rousseff para discutir as alegações que a própria presidente apresentará no Senado.
AFP: Qual será o cerne da defesa?
R: É evidente que esse processo, se tivesse um julgamento racional e equilibrado, já estaria extinto. Não há provas de que tenha havido um crime de responsabilidade. São pretextos que usam para destituí-la. A nós, cabe mostrar isso à comunidade brasileira e internacional para que se entenda o que está acontecendo no Brasil hoje: a destituição de uma presidenta legitimamente eleita através de meios ilegítimos.
AFP: Que parte caberá à presidente?
EC: Vai testemunhar como autoridade denunciada. Haverá uma primeira avaliação sobre como vê esse processo, a democracia brasileira e as inconsistências que existem nas denúncias. Depois, responderá às perguntas dos senadores.
Independentemente do teor das perguntas, se forem agressivas, ou não, a presidenta Dilma vai se comportar como a chefe de Estado, à altura de seu papel histórico.
AFP: Espera que, agora, os aspectos jurídicos tenham mais peso no processo?
EC: O impeachment é jurídico-político, e a apreciação política exige a existência de certos pressupostos jurídicos, porque, se for puramente político, como está sendo, haverá uma ruptura institucional, um governo que nasce ilegítimo, uma democracia violentada. É fundamental que o discurso político se coloque na perspectiva de demonstrar a falta de provas das acusações e deixar claro que é uma decisão puramente política, que a Constituição brasileira não permite e o presidencialismo não aceita.
A sociedade tem um papel muito relevante na observação do que está acontecendo. Quanto mais desmascararmos as acusações, mais evidente será o que está por trás desse processo: uma farsa, um golpe.
AFP: Então, a defesa vai falar à sociedade brasileira?
EC: Falaremos para os senadores e para a sociedade e também falaremos para a história. Temos esses três interlocutores: os senadores, a sociedade e a história. É a única sinergia possível para demonstrar que esse processo não tem o menor fundamento, que o Brasil é um país que tem uma democracia muito jovem, conquistada duramente, para feri-la dessa forma (...) Essa é um pouco a ideia da nossa aposta na defesa.
AFP: Vai recorrer ao Supremo?
EC: Se há uma lesão ao direito subjetivo da presidenta de exercer seu mandato, uma vez comprovado esse ilícito, o Poder Judiciário pode intervir. Não descartamos a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário a qualquer momento, inclusive depois da votação. O Supremo pode anular todo esse processo e, de fato, já deveria tê-lo anulado, porque há muitas irregularidades.
AFP: Como é voltar para a advocacia em um caso dessa magnitude?
EC: É curioso que meu retorno à advocacia se dê em um caso complexo como esse(...). Me entristece um pouco a causa (...) mas me orgulha poder estar como advogado - como costumo dizer - do lado certo da História.