Passado o julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no Senado, uma nova discussão que pode ganhar corpo nos próximos meses é uma possível necessidade de revisar a Lei do Impeachment. A atual lei, nos quais foram baseados os afastamentos de Fernando Collor em 1992 e o de Dilma semana passada, é datada de 1950. A Lei Nº 1.079, de 10 de abril de 1950, assinada pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra, define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento não apenas de presidentes, mas também dispõe sobre a atuação de ministros de Estado, do Supremo Tribunal Federal (STF) e o Procurador Geral da República.
Para o professor titular da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e diretor da Faculdade de Direito do Recife, Francisco Queiroz, a revisão da Lei do Impeachment se faz necessária. “Eu acho que a revisão seria importante, porque poderia vir uma lei específica tratando das hipóteses de caracterização dos crimes de responsabilidade e inclusive, o que seria melhor ainda, do procedimento. Teve muita dúvida do procedimento, teve que o Supremo definir. O que vimos foi o Supremo, que não é órgão legislativo, assumindo um papel de legislador”, declarou. Queiroz integrou um grupo de juristas que atuou na elaboração da defesa de Dilma do impeachment.
No entanto, ele avalia que a revisão poderá ampliar o leque das leis de responsabilidade. “A lei para ser revista teria que ter muito cuidado, para evitar que ela seja revista para abrir o tipo e colocar algo à mera vontade e ao sabor e momentânea dos congressistas. Aquela lei, mesmo antiga, ela pode ter uma construção adequada de interpretação e ser suficiente. A não ser que se digam outras situações que poderão gerar um impeachment”, explicou.
Na opinião de Diego Werneck, professor de direito constitucional da FGV Direito Rio, a lei está defasada desde o processo de Collor. “Essa necessidade já tinha ficado clara no caso Collor. Não é que a Lei do Impeachment, a revisão dela se tornou necessária agora. É necessário há muito tempo, seja em questão de procedimento, seja em questão de mérito”, disse. “A lei deveria esclarecer exatamente o que está em discussão em cada etapa. Além disso, há votações demais nesse processo. O Senado votou três vezes. O processo hoje está muito longo, mas não significa que ele esteja satisfatório em termos de proteger claramente quais são as oportunidades de citação da defesa, qual o tipo de prova que tem que ser produzida”, acrescentou.
Entre as atualizações sugeridas por Werneck, está a inclusão das normas estabelecidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, implementada em 2000. “Foram esses dispositivos que foram usados na acusação contra Dilma. A pedalada fiscal é uma violação não a um artigo da Lei de 1950 só. É Lei de 1950 conforme atualizada em 2000 nessa parte”, pontuou.
Para o professor da FGV Direito Rio, não é preciso esperar que um novo processo de impedimento seja estabelecido para se pensar no assunto. “Tem que parar, pensar quais são as questões que refletem atentados à Constituição que precisam ser coibidos com ameaça de impeachment, listar essas coisas numa linguagem contemporânea e adequada à legislação brasileira hoje. Aí você tem um mapa de que em que condições um presidente pode utilizar e tem também um procedimento que, ao mesmo tempo que garante os direitos de defesa e não cria entraves burocráticos que chama à atenção na nação não pro mérito da ação, mas para questões totalmente acessórias de interpretação de dispositivos obscuros e alguns dos anos 50”, declarou.
O senador Humberto Costa, líder do PT, é favorável a uma revisão na lei que impeça a manipulação e uso da máquina de quem assumir interinamente a Presidência para se garantir no poder. “Quando se afasta preventivamente o presidente, é justamente para que ele não possa fazer uso da máquina para tentar ganhar votação do impedimento. Mas ninguém previa uma situação em que o vice seria o grande conspirador. Então, tirou a presidente e entregou para o vice a chance de fazer o que ele fez - interferir na votação, trocar votos por cargos, emendas”, justificou.
Werneck avalia, ainda, que o momento político e legislativo do País é “difícil” para se iniciar a revisão da lei. “A discussão se tornou ultranecessária, principalmente num momento em que as pessoas estão preocupadas com a pouca clareza em relação aos argumentos jurídicos que justificam para a nação o impeachment de Dilma. Mas é nesse momento de crise que é muito difícil essas coisas serem decididas quando as pessoas estão preocupadas por essas questões por prazo. O melhor momento para decidir mudar essas regras é quando ninguém sabe exatamente quando as mudanças vão afetá-los. Você faz as regras do impeachment sem saber o que vai acontecer e sem precisar achar que está decidindo o seu próprio futuro. O tempo ideal seria após a próxima eleição ou o Congresso poderia fazer a discussão colocando uma cláusula que começa a valer da a ‘x’ anos”, explicou.