Os pais de Hugo Barbosa da Silva só descobriram que iam ter um menino quando ele nasceu, há 30 anos. Com pouco dinheiro para o pré-natal, eles não podiam pagar uma ultrassonografia. Hugo nasceu um mês antes da conclusão da Constituição de 1988, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS). Antes da Carta, a saúde não era vista como um direito, mas como um benefício para trabalhadores inscritos no serviço social. Quem não era tinha de recorrer a hospitais beneficentes. Pelo SUS, Hugo disse já ter feito dezenas de consultas, recorrido à emergência e feito cirurgia. Em três décadas, o Brasil revolucionou a saúde pública. A mortalidade infantil caiu mais de 70% entre 1990 e 2015 e a expectativa de vida saltou de 64 anos em 1991 para quase 76 anos em 2016.
Saúde, educação, salário mínimo nacional, concurso público, aumento da licença-maternidade e criação da licença-paternidade, direito à greve... O Brasil era um antes de 1988; e virou outro depois. Transformou-se profunda e paulatinamente pela ação das 70 mil palavras escritas na Constituição. Um texto atual como nunca. Falou de impeachment? Está na Constituição. Teto de gastos? Mudança na Constituição. Reforma da Previdência? Envolve a Carta Magna. Intervenção federal na segurança? Está lá também. Prisão após condenação em segunda instância? Pode olhar a Constituição.
“Dificilmente teríamos alcançado conquistas como a estabilização da economia e o processo de distribuição de renda se não tivéssemos a Constituição de 1988. O que não significa que a Constituição em si pode garantir essas conquistas. Os governos que se instalam pensam mais em si mesmos do que nas regras institucionais que eles têm que cumprir. Nós vivemos num País onde, apesar da Constituição, e beirando as regras constitucionais, o que existe são projetos de poder partidário”, explica o sociólogo Aécio Gomes de Matos.
Aos 30 anos, Helen Pereira da Silva acredita que tem uma vida melhor que a dos pais. Ela estudou em colégio e universidade públicos, virou professora, passou em um concurso do Estado e dá aula em uma Escola de Referência em Ensino Médio. “Eles não tiveram muitas oportunidades. Minha mãe era dona de casa, e o meu pai era pedreiro. Eu sou a única da família que ingressou em uma universidade. Eles estudaram até a 5ª série. Moravam no interior, não tinham nem escola perto. Tiveram que trabalhar para ajudar a família. As coisas mudaram muito, né? Estar trabalhando e ter minha renda me proporciona viajar e ajudar meus pais”, conta.
O entendimento de Helen está comprovado em números. Com investimento garantido pela Constituição, o gasto público com educação passou de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas no País), em 1985, para 6,1% do PIB em 2011. Em 1980, apenas 14,3% dos jovens estavam no Ensino Médio. Em 2014, eram 61,4%. No Ensino Fundamental, saímos de 80,1% para 97,5% das crianças nas escolas. Os dados constam na publicação O Brasil no Contexto 1987-2017, da Editora Contexto. Segundo levantamento do Ministério da Educação (MEC), o número de alunos no Ensino Superior saltou de 1,5 milhão de pessoas em 1998 para 8 milhões em 2016 com a abertura de novas universidades e programas federais, tais como Prouni e Fies.
Doutor em ciência política, o professor da Universidade de Brasília David Fleisher diz que a Constituição de 1988 restabeleceu a democracia, expandiu o eleitorado para adolescentes e analfabetos, deu garantias sobre os direitos individuais e aumentou a participação popular nas decisões do Estado. “Esse período teve altos e baixos. A Constituição prevê o impeachment do presidente, e os brasileiros já se valeram disso duas vezes. Do ponto de vista das instituições, ela funciona razoavelmente bem. Mas existem pontos a serem aperfeiçoados”, lembra.
Mudanças como a independência do Ministério Público e o fortalecimento de órgãos de controle foram fundamentais para o ciclo de combate à corrupção no País. Só na Operação Lava Jato, já foram instauradas quase 2,5 mil investigações que resultaram em 204 condenações. As denúncias já formuladas no caso envolvem o pagamento de R$ 6,2 bilhões em propina.
Inovações como a que permite a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular levaram a propostas como a Lei da Ficha Limpa e a que pune a compra de votos com a perda de mandato. “A Constituição deu meios à sociedade para exercer a cidadania. Haja vista os conselhos previstos na Constituição e os projetos de iniciativa popular. Ela também prevê o plebiscito e o referendo. Mas é preciso que o Congresso os regulamente para que a sociedade possa propor”, lembra o advogado Carlos Moura, fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Aos 30 anos, Hugo Barbosa da Silva, que ilustra o início desta matéria, diz ter orgulho de nascer no ano da Constituição. “Ela simboliza várias mudanças no País e na vida das pessoas. Melhorou muita coisa. Mas a gente precisa continuar lutando para melhorar mais”, pede o jovem aos brasileiros.