Relação de Bolsonaro com o Nordeste ainda desperta dúvidas

Na região, maioria dos governadores eleitos são de partidos da oposição
Da editoria de Política
Publicado em 04/11/2018 às 10:00
Na região, maioria dos governadores eleitos são de partidos da oposição Foto: Foto: Reprodução / Facebook


O “tratamento secundário” prometido pelo então candidato Jair Bolsonaro (PSL), um mês antes da eleição, aos “governos que, por exemplo, façam uma oposição radical” levanta dúvidas sobre como será o tratamento dispensado ao Nordeste nos quatro anos em que ele estará à frente da Presidência da República. Entre os governadores eleitos da região, quatro são do PT (Ceará, Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte) e um do PCdoB (Maranhão). Eles são oposição radical ao governo central que assumirá em janeiro. Ainda como candidato, Bolsonaro chegou a dizer que “esses marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria”, referindo-se aos petistas. Os chefes do Executivo eleitos pelo PSB, como foram os casos de Pernambuco e Paraíba, também são de oposição.

Outro ingrediente é o fato de que, até agora, nenhum nordestino foi indicado como ministro ou passou a fazer parte da equipe de 22 pessoas que está trabalhando na transição entre o governo do presidente Michel Temer (MDB) e do futuro presidente.

“A eleição terminou. É importante pensar no Brasil e no Ceará”, afirmou o governador reeleito do Ceará, Camilo Santana (PT), numa coletiva que ocorreu na semana passada. “A minha disposição é de diálogo, respeito. Acredito que vivemos numa federação, e que a relação possa existir de forma institucional entre o presidente da República e os Estados. Estarei sempre na luta em defesa do meu Estado e do povo do Ceará”, diz.

Camilo Santana também dá uma dica de como os governadores vão se colocar diante do novo governo central. “Até o final do ano, todos os governadores, não só do Nordeste, mas do Brasil, devem conversar, porque as preocupações dos governadores são as mesmas”, contou, na mesma entrevista.

O secretário de Comunicação Social e de Assuntos Políticos do Maranhão, Márcio Jerry Barroso, revela que, em primeiro lugar, espera do novo presidente da República “uma atitude compatível com o cargo nos marcos da democracia com todos os entes federados, respeitando as manifestações democráticas dos governadores e parlamentares que têm uma visão diferente da dele”.


O Estado do Maranhão espera contar com 12 deputados federais e dois senadores que podem ajudar na interlocução junto ao governo Bolsonaro. Segundo ele, também está sendo marcado um encontro – ainda sem data – com os governadores do Nordeste para discutir demandas comuns. “No governo Temer, continuamos fazendo convênios e estabelecemos relações num plano institucional”, compara.

O governador Paulo Câmara (PSB) foi procurado pela reportagem do Jornal do Commercio, mas não atendeu o pedido de entrevista até o fechamento desta edição. Em reserva, interlocutores do Palácio do Campo das Princesas afirmaram que o governador, vice-presidente nacional do PSB, prefere não comentar questões relativas ao governo Bolsonaro até a próxima reunião da Executiva Nacional da sigla, marcada para ocorrer nesta segunda-feira (5).

O deputado federal Bruno Araújo, presidente do PSDB-PE, que logo após o primeiro turno declarou apoio a Bolsonaro, diz que não há necessidade de apreensão em relação à gestão do aliado em relação ao Nordeste.

Segundo o tucano, a região terá papel importante na gestão do militar da reserva e que deve-se evitar o discurso do “nós contra eles”. “Os governadores do Nordeste precisam muito do governo federal, e o Brasil precisa muito Nordeste. Isso (o receio de um isolamento político) faz parte de um discurso antigo e puramente eleitoreiro. O Nordeste tem e terá papel fundamental para o crescimento econômico do País. Não podemos continuar aceitando esse discurso do ‘nós contra eles’”, declarou o parlamentar.

Receitas

Em média, 42% das receitas dos Estados do Nordeste são de repasses da União, segundo um estudo feito pela Fecomércio-São Paulo. “Se houver retaliação por motivo político, os Estados podem ser prejudicados nas transferências voluntárias de recursos, que são os convênios entre o governo federal e os dos Estados. Boa parte desses recursos são negociados politicamente e decorrem de acordos firmados entre a União e os Estados”, argumenta o sócio-diretor da Consultoria Ceplan o economista Jorge Jatobá.

Ainda sob o impacto do resultado da eleição, ele argumenta que os governadores também foram eleitos e não estão falando em nome deles, mas representando os interesses da população, que não são partidários. “Tem que permanecer a capacidade de diálogo em nome do interesse da sociedade. Estamos numa crise política desde 2014. Não podemos prorrogar isso”, sugere. E acrescenta: “No discurso da vitória, Bolsonaro disse que iria governar para todos os brasileiros”.

O presidente do PSL, o deputado eleito Luciano Bivar, afirma que a interlocução entre o futuro presidente e os governadores será republicana. “Não vamos ter dificuldade, independente da coloração e dos apoios dados durante a eleição. O lema do futuro presidente é menos Brasília e mais Brasil. A intenção é que essa interlocução ocorra pelas pastas e que os recursos saiam automaticamente para os Estados e municípios”, resume Bivar.

Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, Ernani Carvalho acredita que as convergências entre os governos central e estadual começarão a ocorrer rapidamente, assim que estiverem montadas as novas equipes das administrações (federal e estaduais). “A agenda de desenvolvimento econômico é urgente, e isso vai aproximar os governos estaduais do central. Eles têm que resolver a questão econômica (a retomada do crescimento) e a questão fiscal – com os gastos em desequilíbrio. De direita ou de esquerda, os novos governantes vão ter que arranjar uma solução para esses problemas que podem deixar a receita (deles) ainda mais escassa”, resume.

Na avaliação do sociólogo Aécio Gomes de Matos, independentemente do que for construído nos próximos meses na relação dos governadores nordestinos com Bolsonaro, é necessário que se crie uma mentalidade regional de atuação em grupo para que haja o fortalecimento local em relação ao governo federal. “Só há um caminho possível para o Nordeste no governo Bolsonaro: estar organizado. A minha dúvida é se as forças políticas da região conseguem se organizar ou se vai continuar a briga de cada Estado para buscar as suas pequenas fatias em Brasília”, cravou.

Apoio

Região que concentra cerca de 25% da população brasileira, o Nordeste tem tido pouca – ou quase nenhuma – representatividade no núcleo duro do futuro governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). Apesar da sua aproximação cada vez maior com nomes como os dos deputados federais Bruno Araújo (PSDB) e Mendonça Filho (DEM), com exceção do presidente nacional do seu partido, o pernambucano Luciano Bivar (PSL), nenhuma outra liderança nordestina tem obtido espaço de destaque na equipe do militar da reserva, fato inédito no País desde a redemocratização.

De 1985 até hoje, o Brasil teve seis presidentes da República. Destes, dois são nordestinos (José Sarney, do MDB, e Lula, do PT) e um, apesar de nascido no Estado do Rio de Janeiro, construiu toda a sua vida política em Alagoas (Fernando Collor, do PTC). Também é da região um vice-presidente do período citado, o pernambucano Marco Maciel, que esteve ao lado de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) entre 1995 e 2003.

Outras lideranças, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), Sérgio Guerra (PSDB-PE) e Renan Calheiros (MDB-AL), por exemplo, apesar de nunca terem ocupado os cargos de presidente ou vice, trabalharam como articuladores no governo federal, costuravam indicações em ministérios e estatais e ainda trabalhavam em prol dos projetos do Executivo com seus pares no Congresso Nacional. Com as mudanças percebidas neste início de formação de governo de Bolsonaro – que perdeu a eleição em todos os nove Estados desta parte do País –, fica a dúvida se a nova configuração pode, de alguma maneira, prejudicar a região.
De acordo com o cientista político Vanuccio Pimentel, professor da ASCES-UNITA, por depender da bancada nordestina na Câmara (151 deputados) e no Senado (27 parlamentares) para aprovar suas propostas, mais cedo ou mais tarde Bolsonaro precisará agregar outros representantes da região no seu governo.

O docente diz, ainda, que, caso o novo presidente tome alguma decisão no sentido de isolar algum Estado ou região, poderá sofrer retaliações por parte dos parlamentares. “No presidencialismo de coalizão praticado no Brasil, nos últimos 30 anos se consolidou não só uma necessidade de representação partidária, mas também de parcelas de grupos regionais. Por exemplo, historicamente o Ministério da Integração Nacional ficava sob a responsabilidade de um nordestino. Já foi Ciro Gomes (PDT-CE) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). O que se vê com Bolsonaro é que, até agora, não há representatividade regional nem partidária. Quais as consequências que podem surgir disso? Com a posse, ele terá que lidar com o Congresso, que é 1/3 nordestino. Em algum momento, a necessidade de uma representatividade maior vai aparecer”, pontuou Pimentel.

Arthur Leandro, cientista político do Observatório do Poder, lembra que a falta de representação do Nordeste na equipe de Bolsonaro é também um reflexo do que foi a sua campanha à Presidência, marcada por poucos palanques nesta região e pela oposição ferrenha de todos os nove governadores eleitos, quatro deles petistas. “Bolsonaro praticamente não teve palanques no Nordeste.

Em Pernambuco, por exemplo, a candidatura do Coronel Meira (PRP) foi retirada. Isso também contribui para esse cenário. Mas Bolsonaro conseguiu eleger parlamentares, e lideranças como Mendonça Filho têm se aproximado do novo governo, portanto eu não vejo essas dificuldades como intransponíveis”, destacou. 

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