ENTREVISTA

Lula diz não querer discussão sobre 2ª instância, mas anulação do processo

Nesta quinta-feira (17), o Supremo julga ações que contestam a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância

JC Online
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Publicado em 17/10/2019 às 9:46
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Nesta quinta-feira (17), o Supremo julga ações que contestam a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância - FOTO: Foto: MAURO PIMENTEL / AFP
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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse não estar interessado na discussão sobre segunda instância, mas em sua inocência. A declaração foi feita durante entrevista ao UOL na sede da Polícia Federal, em Curitiba, nessa quarta (16), um dia antes do julgamento de ações do Supremo Tribunal Federal (STF) que contestam a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

"Não estou reivindicando essa discussão de segunda instância. Não estou interessado nisso. Eu estou interessado na minha inocência", disse Lula.

>> Igor Maciel: STF, a cara de pau e a prisão em segunda instância

Condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá (SP) pelo então juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, com sentença confirmada pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região, o ex-presidente é um dos casos que poderiam ser beneficiados por uma possível mudança de entendimento do STF.

"Quero que os ministros da Suprema Corte tenham acesso à verdade do processo e anulem. Se vai ser um ano a mais ou um ano a menos, se vou ficar aqui ou em outro lugar, não importa", diz.

O mesmo raciocínio é utilizado para negar ida recomendada pela Lava Jato no mês de setembro ao regime semiaberto. "Não quero progressão da pena, quero a minha inocência", afirma.

"Não tem meio-termo comigo. O que eles vão fazer? Antigamente, era mais fácil. Mandava esquartejar, salgar, pendurar no poste. Cometeram a bobagem de me prender, cometeram a bobagem de me acusar, agora vão ter que suportar esse peso aqui dentro", garante.

Confira a íntegra da entrevista

UOL - O Supremo Tribunal Federal marcou, para esta quinta, o início do julgamento sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, o que pode vir a beneficiar o senhor, dependendo do resultado. Acredita que esta possa ser a última entrevista aqui na Polícia Federal?

Lula - Essa entrevista nossa está marcada bem antes de o Toffoli marcar o julgamento da segunda instância. Não tenho pretensão de dar entrevista aqui na Polícia Federal. Eu gostaria de estar dando entrevista na sede do PT, no Instituto [Lula], no sindicato, na rua, sei lá... seria muito melhor.

Não estou reivindicando essa discussão de segunda instância. Não estou interessado nisso. Eu estou interessado na minha inocência. O que quero é que os ministros da Suprema Corte tenham acesso à verdade do processo, aos inquéritos mentirosos da Polícia Federal, do Ministério Público, liderado pelo Dallagnol, pelo mentiroso do Moro, na sentença, e anulem esses processos. É a única coisa que me interessa. Se vai ser um ano a mais ou um ano a menos, se vou ficar aqui ou em outro lugar, não importa. Nada me interessa a não ser a minha inocência.

Eles procuraram um jeito de me tirar da disputa política, de tentar destruir o PT, e eu estou aqui. Tenho dito sempre: eu não troco a minha dignidade pela minha liberdade.

Se vai ser na segunda, primeira, terceira, quarta, quinta instância, não é problema meu. O que eu quero é a minha inocência. Se eu tenho um apartamento, alguém tem que ter uma escritura, alguém tem que ter um recibo. O que não pode é inventar uma mentira para poder me condenar.

O julgamento sobre a segunda instância estava previsto para abril, mas foi desmarcado. Na época, falou-se que o Supremo Tribunal Federal queria evitar a pressão da opinião pública sobre um caso que poderia beneficiá-lo. O senhor se arrepende das indicações que o PT fez ao Supremo?

Não. O Supremo, votando [contra a prisão em] segunda instância, estará apenas cumprindo aquilo que está na Constituição, não estará fazendo um favor a ninguém. Você só ser preso depois que o processo ter transitado em julgado não é favor a ninguém. É cumprir, pura e simplesmente, o que está na Constituição. Quem quer apressar o julgamento é a Globo, motivando a opinião pública.

Um ministro da Suprema Corte e um juiz de primeira instância não devem se mover pela pressão da opinião pública. Eles devem se mover pelos autos, perceber o que está no processo, se tem prova ou não tem prova, se precisa condenar ou não condenar. Porque se não, vamos ter que eleger promotor pela via direta. Não será mais escolhido por concurso.

Essas pessoas que têm uma função de Estado não podem funcionar sob a pressão, sob a perseguição da opinião pública. Só faltava a Suprema Corte convocar uma pesquisa do Ibope para saber o que pensa o povo sobre determinadas coisas.

Até sexta, sua defesa tem que apresentar um posicionamento em relação ao regime semiaberto. O que você vai dizer à juíza do caso, Carolina Lebbos?

Vou dizer o que eu já disse: eu não estou aqui para trocar a minha dignidade pela minha liberdade. Veja, quem precisa de progressão é quem foi condenado, culpado. "Confesso que fui culpado" - e então ele aceita uma progressão da pena. Eu não quero progressão da pena, quero a minha inocência. A invenção do tríplex foi um escárnio. Aliás, a invenção do tríplex é do mesmo jornalista canalha que fez a matéria da IstoÉ esta semana [afirmando que Rosângela da Silva, namorada de Lula, dá ordens dentro do PT]. É o mesmo, ou seja, eu não posso admitir.

Quem roubou já fez a sua delação. Aliás, na Lava Jato o crime compensa. Porque muitos que roubaram fizeram a delação, ficaram com metade do que roubaram, estão vivendo muito bem da vida. Como não roubei, como não cometi crime, como não cometi nenhum ilícito, não quero favor. Não quero pena, quero a minha inocência. É a única coisa que aceito. Vai demorar 50 anos? Vai. A minha bisneta vai um dia ouvir uma sentença de que o bisavô dela era um homem de bem, era honesto e não devia nada para a Justiça.

O que incomoda tanto em relação ao semiaberto? É o uso da tornozeleira?

Não, não. O que me incomoda é o princípio da minha condenação. Um processo de mentira que envolveu uma matéria de jornal, depois envolveu o inquérito policial, depois envolveu a acusação, depois envolveu o Moro, depois envolveu o TRF-4. Acha que vou compactuar com isso? Não vou compactuar. Já falei com meu advogado: não tem meio-termo comigo. O que eles vão fazer?

Antigamente, era mais fácil. Mandava esquartejar, salgar, pendurar no poste. Cometeram a bobagem de me prender, cometeram a bobagem de me acusar, agora vão ter que suportar esse peso aqui dentro. Eles são livres para fazer o que eles quiserem, eles têm poder. Moro provou que o juiz tem o poder de Deus. O que ele não esperava era que estivesse neste país um cidadão com caráter de resistir à Globo, de resistir a mais de 80 capas de revista contra mim, de resistir a milhares de primeiras páginas de jornal contra mim. Porque o Aécio Neves não aguentou uma capa da Veja.

Mas se o senhor aceitou se entregar naquele momento à Polícia Federal, como é que não vai aceitar o regime semiaberto?

Aí é que tem uma coisa importante. Por que é que resolvi cumprir a determinação de vir aqui? Porque, se eu, com o nome que eu tinha, tivesse saído do Brasil, tivesse ido a uma embaixada, estaria sendo tratado por vocês legitimamente, como fugitivo. Como tenho clareza da minha inocência, resolvi vir para cá para poder enfrentar o que me acusaram aqui. Então, estou aqui há um ano e meio e vou lutar até o último dia da minha vida para provar a quadrilha que me condenou.

A Lava Jato se transformou numa quadrilha. É só ver o conluio deles agora com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, tentando buscar empresários brasileiros para que a Justiça americana possa denunciar. Como já levaram R$ 14 bilhões da Petrobras, como já destruíram a indústria da construção civil no Brasil, a indústria de engenharia, como já prejudicaram um 1,1 milhão trabalhadores, como já deram prejuízo de R$ 142 bilhões na economia brasileira...

A única coisa que me resta é utilizar uma profecia da minha mãe: "Lula, não baixe a cabeça nunca." Essa mulher nasceu e morreu analfabeta, ela me deu muita dignidade, e eu não abro mão disso.

Se você sair da cadeia, vai haver uma desmobilização [da esquerda]. Isso pesa também na sua resistência em relação ao semiaberto?

Seria o fim da picada alguém imaginar que eu estou preso por mobilizar. Se fosse assim, eu mandava prender todo o PT. Veja, sou muito grato às pessoas que estão participando da campanha Lula Livre. A este acampamento, que está aqui na frente, gritando meu nome, todo dia de manhã, de tarde, de noite. Quando sair daqui, não sei o que fazer para agradecer a essa gente, vou levar todo mundo para morar comigo ou fazer um bairro novo e levar gente porque é muito carinho. E, obviamente, que sou muito grato aos companheiros do partido, aos companheiros dos partidos aliados, da sociedade, do movimento sindical, do movimento sem-terra. Mas eu preciso sair daqui.

E a mobilização não é para libertar o Lula, não. As pessoas têm que fazer mobilização para libertar o Brasil da asfixia a que ele estava submetido com o governo Collor... com o governo Bolsonaro. E com a venda da soberania brasileira que o ministro da Economia está fazendo. As pessoas têm que brigar para defender o direito do povo trabalhar, de receber um salário decente, de estudar, o direito desse país se desenvolver, crescer economicamente também, o direito do povo voltar a ser feliz. É para isso que as pessoas têm que se mobilizar, para defender a qualidade da educação, a entrada dos mais pobres na universidade.

Não há um cálculo político do senhor em relação a essa resistência ao semiaberto? Essa pauta unificadora não é tão importante neste momento?

Não é por isso que estou tomando a minha posição. É apenas uma questão de dignidade. Já tiveram muitos aqui que roubaram. Essa gente simplesmente fez uma delação. Venderam a alma da mãe ao diabo. Eu, se tivesse que fazer uma delação, iria fazer uma delação contra o Moro, contra o Dallagnol, contra delegado. Ninguém quer me ouvir para fazer a delação contra eles. Então eu quero sair daqui ontem, quero sair daqui no mês passado. Acontece que eu não posso sair daqui passando a conotação de que eu aceito a minha condenação provisória. Não aceito.

Agora o que não pode, nem na primeira, nem a segunda, nem na terceira nem na quarta e na quinta e nem na Bíblia, é um inocente estar preso. Tudo o que está saindo no Intercept, a gente já dizia, os meus advogados já diziam antes. Agora está aparecendo essa semana, que o UOL publicou inclusive, de o Dallagnol prestando serviço às empresas americanas, ao Departamento de Justiça americano, para dar o nome de empresas que os americanos podem processar.

Nota do editor: O UOL não publicou reportagem com esse conteúdo. De acordo com a sua assessoria, a fonte de Lula é o site Consultor Jurídico https://www.conjur.com.br/2019-out-15/encontro-deltan-foi-bancos-reus-acao-petrobras-eua

Se o Conselho Nacional do Ministério Público fizer valer a sua existência, o cidadão tem que ser exonerado, não promovido. O Moro é a mesma coisa. De vez em quando, eu vejo entrevistas do Moro. Ele dá entrevista para você e não olha nos seus olhos porque ele sabe que está mentindo.

José Dirceu afirmou à Folha de S.Paulo que teria feito bem ao senhor ter convivido com outros presos da Lava Jato, lá no Complexo Médico Penitenciário de Pinhais. Que aqui o senhor tem uma convivência restrita com pessoas que só falam o que quer ouvir e que isso lhe teria prejudicado. O que acha dessa afirmação?

Não conheço nenhuma experiência de o cara ser bem-sucedido conversando com preso. Eu preciso conversar com quem não esteja preso. Ou seja, eu quero estar com as pessoas que estão livres, fazendo política. Quero voltar a viajar o Brasil, quero voltar a fazer comício, quero voltar a fazer a denúncia da falcatrua que Bolsonaro está fazendo. Quero voltar a fazer o PT ter a dimensão que ele merece ter.

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