FUTEBOL

Deputados divergem sobre extinguir torcidas organizadas

Nem todos os parlamentares, sejam deputados ou vereadores, saem em defesa da extinção das organizadas

Cássio Oliveira
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Cássio Oliveira
Publicado em 16/02/2020 às 9:20
Andre Borges/ Agência Brasília
Nem todos os parlamentares, sejam deputados ou vereadores, saem em defesa da extinção das organizadas - FOTO: Andre Borges/ Agência Brasília
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O debate sobre extinção das torcidas organizadas voltou à tona em Pernambuco, após o lamentável episódio em que membros da Torcida Jovem do Sport atacaram torcedores do Santa Cruz, entre eles crianças, mulheres e idosos, que comemoravam o 106º aniversário do clube tricolor, no último dia 3 de fevereiro, no Recife.

Na última terça, representantes do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e da Secretaria de Defesa Social (SDS-PE) sentaram à mesa para tentar encontrar soluções para trazer paz a quem deseja ir aos estádios. A discussão sobre as organizadas também acontece no âmbito do Legislativo, mas nesse caso, não há consenso sobre o tema.

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Na Câmara do Recife, por exemplo, um projeto que previa o ordenamento das organizadas na capital tramitou de 2013 até 2015, mas acabou sendo arquivado. Autor da proposta quando era vereador, o deputado estadual Wanderson Florêncio (PSC) argumenta que pautas deste tipo enfrentam dificuldades, visto que alguns parlamentares têm base eleitoral em meio às torcidas.
“O projeto ficou parado, eu saí do mandato e não conseguimos colocar em pauta. E registro uma coisa que é muito triste: alguns políticos têm relações com essas torcidas e meio que travam o caminhar desses projetos”, declarou.

Wanderson pretende adaptar o projeto para apresentá-lo na Assembleia Legislativa do Estado (Alepe), com medidas que impactem no CNPJ da torcida organizada, trazendo, segundo ele, maior responsabilidade para seus diretores.

Vereador do Recife e ex-presidente do Santa Cruz, Antônio Luiz Neto (PTB) não enxerga a extinção de torcidas como solução para o fim dos episódios de violência. “Pode até extinguir se achar que chegou a um limite, mas vai surgir outra torcida. A questão não passa pura e simplesmente pela extinção. Cabe à legislação tratar disso com maior rigor e do sistema policial se organizar na inteligência para a ostensiva funcionar com mais rigor, afinal todos sabem onde ocorrem os principais problemas envolvendo brigas de organizadas”, afirmou.

O vereador, que presidiu o Santa Cruz em 2014 quando um torcedor do Sport morreu após ser atingido por um vaso sanitário no Arruda, ainda destaca que não se pode generalizar quando o assunto é torcida uniformizada. “Nem todos vivem se metendo em encrenca, fazem uma festa bonita dentro do estádio, sempre um brilho, os problemas são na rua. Não tem escrito no estatuto de nenhuma torcida que é para denegrir, brigar, matar. Quem pratica crimes são marginais, não estatutos. É preciso cuidado para não generalizar, pois sabemos que 90% dessas torcidas padronizadas, organizadas, cada um chama como quer, são feitas por pessoas direitas. Se há prevalência de gente que não presta, que é bandido, que a polícia investigue e puna”, disse.

Na mesma linha do vereador, o deputado estadual Isaltino Nascimento (PSB) diz que é preciso separar o joio do trigo. “O futebol fica mais bonito com as torcidas, no mundo todo. Em Pernambuco, era importante um mecanismo de pactuação entre as principais torcidas, dos três maiores clubes da capital, para separar o joio do trigo, pois a presença do torcedor convencional ela é sazonal, enquanto a torcida com maior vinculação tem maior presença, não só no Estado, mas fora dele, e mantém um nível de apoio, de fortalecimento ou mesmo de cobrança perante os jogadores e ao clube”, disse.

Isaltino ainda destaca que o poder público estadual ou municipal tem pouco poder de atuação nessa área. “Deputados estaduais e vereadores não tem muito poder sobre isso, é meio inócuo apresentar qualquer normativa que não tivesse efeito legal”, disse.

Questionado sobre evento que promoveu na Alepe no final de 2019 e que contou com a presença da Torcida Jovem, o deputado respondeu que “a homenagem foi ao Sport, pelo acesso à série A e que a torcida teve acesso”. O Instagram da torcida ainda conta com foto do deputado em seu barracão durante a campanha de 2018. À reportagem, o socialista lembra que é defensor de direitos humanos, que não defende violência e que há uma maioria de pessoas do bem nas torcidas.

Na sexta (14), a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) protocolou requerimento junto à 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca do Recife pede que duas ações que pedindo que a extinção das personalidades jurídicas das organizadas sejam julgadas imediatamente e de maneira simultânea. No comunicado do governo é destacado quem são os réus das ações: a Torcida Jovem, a Fanáutico e a Inferno Coral. O objetivo, segundo o Estado, é proibir o acesso em definitivo das torcidas aos estádios e reuniões também fora das praças esportivas.

PUNIÇÃO

Na reunião realizada entre o MPPE e a SDS, o promotor de Justiça que atua na Promotoria de Justiça especializada do torcedor, José Bispo de Melo, afirmou que “há um clamor social” na extinção das organizadas. “A segurança pública tem atuado e demonstrado interesse combater as situações de violência desencadeadas pela atuação das torcidas, trazendo mais tranquilidade ao cidadão”, afirmou ele no encontro. Ainda segundo o promotor, o MPPE fará um estudo dentro do Estatuto do Torcedor para que seja possível extinguir as torcidas organizadas.

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Já na Câmara Federal, o projeto 297/2020 do deputado Felipe Carreras (PSB) altera o Estatuto do Torcedor. De acordo com a proposta, quem participar de brigas entre torcidas, depredar patrimônio ou perseguir alguém por se identificar com uma torcida poderá ser punido com reclusão de três a seis anos, além de multa e reparação patrimonial. Na Justificativa, o deputado afirma que é preciso assumir que “as torcidas organizadas são um problema que precisa ser combatido para que todo torcedor de bem, seja de uma torcida organizada ou não, possa ir para o estádio”.

A proposta de Carreras ainda aponta que os clubes que patrocinam torcidas organizadas são solidariamente responsáveis pela reparação patrimonial. A ideia é defendida por Wanderson Florêncio. “O clube que permite que esse tipo de torcedor tenha acesso para uma sala com espaço para guardar material é e co-participante do vandalismo”, disse.

Cabe lembrar que após o tumulto no Recife, a Torcida Jovem lançou nota afirmando que não compactuava com o acontecido. “Informamos que repudiamos todo e qualquer ato de vandalismo”, disse trecho da nota. Já no último dia 7, uma publicação no Facebook da torcida lembra que “a Jovem do Sport inicia 2020 envolvida direta ou indiretamente em algumas situações negativas” e que “para que todo o brilhantismo volte a reluzir nas arquibancadas, é necessário uma mudança de atitudes e hábitos fora dos estádios”.

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