Foram necessárias duas décadas após o golpe militar de 1964 para que os recifenses pudessem votar novamente em eleições diretas para prefeito. Incomum, a disputa de 1985 foi marcada por muita curiosidade dos eleitores e pesada troca de acusações entre os candidatos, que viviam o fervor e a tensão da mudança política pela qual passava o Brasil em plena redemocratização.
Ainda era final de 1984 quando Tancredo Neves, mesmo antes de submeter-se ao colégio eleitoral, decidiu apoiar uma emenda constitucional restabelecendo as eleições nas capitais. “No entender dele, as atenções do País se voltariam para essa eleição municipal e ele teria mais tranquilidade para administrar o País e fazer reformas”, conta Jarbas Vasconcelos, então deputado federal pelo PMDB.
Em Brasília, Jarbas teve informações privilegiadas da estratégia de Tancredo e tratou de pavimentar sua candidatura no Recife. A capital havia lhe dado 93 mil votos na última eleição para deputado. Uma das pessoas que ele procurou foi o ex-governador Miguel Arraes, que estava focado no pleito de 1986 e não teria botado fé na aprovação da emenda que restabelecia as eleições municipais. “Quando a eleição veio se consumar, eu já tinha um crédito, porque havia conversado com Arraes. Ele não tinha feito nenhuma objeção (à minha candidatura) porque não acreditava que a emenda seria aprovada”, lembra Jarbas.
Na época, o prefeito Joaquim Francisco também ensaiou uma candidatura. Assim como outros prefeitos biônicos, ele não pôde concorrer porque o gesto era considerado reeleição, que só foi permitida a partir de 2000. Apesar de indicados pelo governador, os prefeitos da época precisavam passar pelo crivo da Assembleia Legislativa, numa eleição indireta. “Depois, fui candidato pelo voto direto e ganhei”, faz questão de lembrar Joaquim, sobre a campanha de 1988.
Em 1985, porém, o apoio de Arraes se mostraria indispensável para que Jarbas vencesse a eleição. Caciques dos respectivos partidos em Pernambuco, como Marco Maciel e Marcos Freire, decidiram reproduzir na eleição do Recife a Aliança Democrática entre o PMDB e o PFL que, naquele ano, elegeu Tancredo e José Sarney no plano federal. Apesar dos vários anos como adversários, foi a união entre os dois partidos que permitiu, no colégio eleitoral, a derrota de Paulo Maluf, apoiado pelos militares.
Em Pernambuco, o PMDB chegou a realizar prévias alguns meses antes da eleição. O racha interno dividiu os “moderados”, que acreditavam na aliança com o PFL, e os “autênticos”, que pregavam uma ruptura com os que eram identificados como aliados dos militares. Inflado pelo comando do partido, Sérgio Murilo, um dos articuladores da Aliança Democrática e nome com trânsito na alta cúpula do PMDB, acabou sendo o vencedor na tensa disputa interna que transbordaria para a campanha oficial.
Para concorrer, Jarbas Vasconcelos acabou migrando, com Miguel Arraes e Pelópidas da Silveira, para o PSB. Ícone do PMDB, ele não só venceria sua primeira eleição para o Executivo por outro partido, como o faria enfrentando diretamente os peemedebistas.
Ex-correligionários, Jarbas Vasconcelos e Sérgio Murilo fizeram daquela eleição para prefeito uma disputa sangrenta, principalmente no guia eleitoral, que virou a arma decisiva da campanha. De um lado e de outro, os deputados se atacaram brutalmente, com acusações graves, polarizando a disputa no Recife. No programa do PMDB, Jarbas era cobrado diversas vezes por não ter votado em Tancredo Neves. Contrário ao Colégio Eleitoral e ressabiado com a aliança com o PFL que levou José Sarney à vice, o pernambucano, que integrava o grupo dos “autênticos”, o núcleo mais à esquerda no PMDB, preferiu não participar da votação. O PT fez o mesmo.
As 26 abstenções não mudariam o resultado final da votação, que deu a Tancredo a vitória sobre Paulo Maluf por 480 votos a 180. A dissidência de membros do PDS, sucessor da Arena, como o do goverandor pernambucano Marco Maciel, foram decisivos para esta vitória. No programa de Sérgio Murilo, um áudio remetia à votação. Quando o nome de Jarbas era chamado, era anunciada sua ausência.