Eleições 2020

Personificação das políticas públicas ganha força entre candidatos nas eleições 2020

Com as eleições municipais batendo à porta, o xadrez político se movimenta em torno de marcas

Mirella Araújo
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Mirella Araújo
Publicado em 27/01/2020 às 14:36
Foto: Heudes Regis/SEI
Com as eleições municipais batendo à porta, o xadrez político se movimenta em torno de marcas - FOTO: Foto: Heudes Regis/SEI
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Uma peça importante no xadrez político, dentro de uma disputa eleitoral, é a marca pela qual o candidato será conhecido e o peso dessa impressão digital nas urnas. Essa dinâmica vale tanto para os postulantes que concorrem a reeleição de seus mandatos ou aqueles que são considerados herdeiros políticos pelo seus partidos, quanto para os candidatos que se colocam como fator novo para solucionar os problemas antigos.

No Recife, por exemplo, nas eleições de 2012 para prefeito, o então secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Geraldo Julio, foi lançado pelo PSB sob o mote “Foi Geraldo que fez”. A ideia era relacionar Geraldo aos projetos bem sucedidos da gestão do seu padrinho político, o ex-governador Eduardo Campos, o que acabou resultando em uma vitória com 51,5% dos votos. Era a quebra da hegemonia do PT na gestão municipal. Naquela disputa, o Partido dos Trabalhadores optou por rifar a tentativa de reeleição de João da Costa, e lançou a chapa com o senador Humberto Costa e o ex-prefeito do Recife João Paulo – cuja marca de sua administração era “A grande obra é cuidar das pessoas”, com forte atuação nos morros da cidade. O mote, inclusive, pode ser usado como um ponto positivo caso João Paulo, agora pelo PCdoB, seja candidato a prefeito de Olinda.

Em 2016, na corrida por mais quatro anos no poder, Geraldo Julio já caminhava com sua própria identidade. Obras como o Compaz, Hospital da Mulher e a conclusão da Via Mangue foram fatores importantes na reeleição por 61,30%. Em seu último ano à frente da PCR, o socialista anunciou que entregará mais de 1.500 obras, o que tem sido interpretado pela oposição como “fraude eleitoral” para beneficiar o deputado federal João Campos, cotado para disputar a sucessão municipal pelo PSB. “O projeto é eleger João Campos prefeito, em 2020, e Geraldo Julio governador, em 2022. Para isso vale tudo, até tentar enganar o recifense com inaugurações a toque de caixa. O prefeito tem que explicar porque o centro do Recife está abandonado”, disparou o pré-candidato à PCR, o ex-governador Mendonça Filho (DEM).

O fato é que a personificação das políticas públicas não é algo restrito apenas em Pernambuco – mas, em especial na América Latina de forma geral, os políticos mantém a tradição de querer mostrar o resultado de suas administrações através de grandes obras ou programas. O ex-governador Eduardo Campos, que tinha aprovação de mais de 80% dos pernambucanos, tinha o Pacto Pela Vida, criado em 2007, como uma de suas grandes marcas. Com objetivo de reduzir a criminalidade em todo o Estado, o programa teve repercussão nacional e internacional. Já o seu antecessor, o senador Jarbas Vasconcelos (MDB), tem em seu legado a duplicação da BR-232.

Até aí não há nada de novo. O que tem mudado é o modo como as pessoas tem acompanhado mais de perto o dia a dia sobre quem realmente faz o quê. “Esse acompanhamento passa a não ser feito de forma pontual, apenas no período eleitoral. A escolha do eleitor ainda se dá de maneira muito forte sobre a capacidade de realização, sendo uma das variáveis mais importantes na hora do voto. Essa questão de deixar um legado, e mostrar que apesar da escassez de recursos é possível fazer investimentos e entregas a população, isso continua sendo um capital político importante”, avalia a cientista política Priscila Lapa.
De acordo com a especialista, a questão da política brasileira não ser baseada no coletivo e em agendas pautadas com princípios mais republicanos, ainda é algo culturalmente forte. “O administrador acaba mostrando o que tenha realizado pela sua capacidade de fazer e não porque é algo inerente a sua atribuição como gestor”, ressalta.

Presidente estadual do PSB, Sileno Guedes afirma que são as marcas que diferenciam os projetos apresentados para o eleitor. “São projetos que podem continuar ou serem modificados. Essas marcas dão conta do que é prioridade do que aquele político está propondo. Nós do PSB, da Frente Popular, temos um conjunto de marcas que, no momento certo, nós vamos mostrar”, declarou.
Para o ex-governador de Pernambuco e ex-prefeito do Recife Gustavo Krause (DEM), as eleições “se transformaram em uma disputa de promessas realizáveis ou não”. Krause defende a criação de um mecanismo por meio do legislativo, para que os agentes políticos (parlamentares, prefeitos e governadores) prestassem contas do cumprimento de suas promessas. “Assim como é feito o balanço financeiro, seria apresentado um cronograma do cumprimento dessas promessas para que o eleitor pudesse saber o que foi feito ou não. Essa apropriação pessoal é mais um trato do subdesenvolvimento político e da manipulação dos eleitores. Quando você personaliza, você está saindo do espaço público”, declara.

Disputa pela paternidade cresce

O peso das marcas das gestões também criam uma disputa de narrativas seja sobre a paternidade das grandes obras e programas ou a quem caberia herdar esse capital político. Na visão do historiador e cientista político Alex Ribeiro, essa briga acaba ocorrendo independentemente de ser no período eleitoral ou não. Nas eleições 2020, o tom nacionalizado será o diferencial. “As gestões tendem a ter marcas. Mas é preciso que essas coisas cheguem à população. No atual momento, em que a gente vê um governo federal considerado de extrema direita, comparado ao Nordeste que é mais alinhado com a esquerda e o centro, vai ter uma competição vertical na produção de políticas públicas”, explica Ribeiro.

Em outubro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) compartilhou um vídeo de um apoiador, que acusava o governador Paulo Câmara (PSB) de ter copiado a ideia do 13º do Bolsa Família. Na legenda, Bolsonaro afirmou que “a desonestidade ainda persiste na política. O espertalhão da vez é o governador Paulo Câmara. Mas o povo reage bem às mentiras”. Ao tomar conhecimento, o socialista rebateu as acusações e explicou que a parcela a mais do programa federal foi prometida antes, no dia 26 de agosto de 2018. “Semelhante proposta foi apresentada pelo candidato Bolsonaro mais de 40 dias depois”, criticou.

Para o cientista político Elton Gomes, essa briga pela paternidade era muito mais forte dentro dos guias eleitorais profissionais. “Hoje, nós temos vivido um período de tribalização política, da hiperpolarização de direita e de esquerda. Isso faz com que as pessoas se preocupem muito menos com a paternidade das coisas, porque elas estão muito crentes do seu grupo político. Elas que torcem entusiasticamente por um candidato ou um grupo político, sem refletir sobre o que ele fez ou poderia fazer, por ser uma questão tribal da identificação pessoal do sujeito com o candidato”, avalia.

Outra problemática é que muitos gestores que querem deixar suas marcas, acabam por negligenciar outros setores. “Se você observar, muitos gestores se preocupam em fazer grandes obras estruturadoras, que são importantes, mas negligenciaram o saneamento básico, que é algo que ninguém vê”, pontua o cientista político Antônio Henrique Lucena.

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