A colisão entre dois trens do Metrô do Recife (Metrorec), na manhã desta terça-feira (18), deixando 62 feridos, endossou a tônica que deve permear a disputa pela Prefeitura do Recife em 2020: a mobilidade. Após o acidente, pré-candidatos à sucessão do prefeito Geraldo Julio (PSB) criticaram o incidente e o governo federal, a quem compete a gestão do Metrorec. Mas especialistas alertam que, embora o assunto já esteja dominando os “discursos” dos prefeituráveis, resolver os gargalos da temática – seja em referência ao metrô ou ônibus – não faz parte da alçada da gestão municipal. Ao Executivo, compete a função de fiscalizar e cobrar melhorias na infraestrutura.
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“Usar isso como bandeira de campanha não é positivo, não é competência do poder municipal, não é nem do estadual”, aponta. Ferreira, contudo, emenda: “Não significa que o município não deva cobrar uma resposta do que aconteceu, mas usar isso como bandeira é querer tripudiar da mente humana e tirar proveito de uma situação que deveria ser visto como algo danoso”, alerta o professor e cientista político Hely Ferreira.
Ontem, Charbel Maroun (Novo), João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) – todos postulantes à Prefeitura do Recife – se pronunciaram no Twitter poucas horas depois do acidente, registrado às 5h40.
Charbel defendeu a privatização da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), órgão federal que opera o metrô. “A mobilidade não pode mais ficar nas mãos da ineficiência. Que seja feita do jeito certo, a concorrência aumenta e tudo melhora. A CBTU é um monopólio, e o resultado só poderia ser um: serviço ruim; preço alto; e o cidadão não tem para onde fugir”, disparou. Ele também criticou a superlotação, o calor e a insegurança no modal.
Marília Arraes cobrou apoio aos envolvidos no acidente. “Este é mais um capítulo do drama diário pelo qual passam os cidadãos do Recife e RMR, resultado da crescente precarização do transporte público. As causas do acidente precisam ser rigorosamente investigadas”, escreveu.
Ao comentar o acidente, João Campos reforçou sua posição contrária ao governo federal. “O metrô do Recife, sob a responsabilidade do governo federal, vem enfrentando sérios problemas mesmo com o aumento abusivo de suas tarifas em menos de 1 ano, saindo de R$ 1,60 para R$ 4 a partir de março. A estrutura permanece precária”, criticou.
Em conversa com o JC, os deputados federais Daniel Coelho (Cidadania) e Túlio Gadêlha (PDT) e a delegada Patrícia Domingos (Podemos) fizeram críticas ao modelo de gestão do metrô na Região Metropolitana do Recife (RMR). Eles também são cotados na disputa pela Prefeitura do Recife.
Túlio afirmou que o acidente foi uma “tragédia anunciada” pelo seu mandato. O deputado esteve reunido no início do ano com a diretoria nacional da CBTU e visitou o centro de manutenção dos equipamentos do metrô em Jaboatão dos Guararapes. “Lá a gente constatou que dos 40 carros disponíveis, apenas 23 estavam em funcionamento. Eles estavam funcionando em um regime autofágico porque o governo federal não tem repassado recursos para a manutenção dos equipamentos e compra de peças. Eles estavam retirando peças de equipamentos novos e colocando nos outros carros para eles rodarem. Isso precariza o serviço, aumentando o tempo de espera do usuário e também gera superlotação”, disse.
O pedetista também rejeitou o posicionamento de João Campos de ter criticado o aumento do valor da passagem do metrô. “O governo do Estado não faz o repasse para a CBTU desses valores que são integrados, ou seja, mais da metade dos usuários do metrô nem sequer paga a passagem do metrô. Eu acho que o governo deve repassar esses valores a CBTU para que eles possam investir na manutenção dos equipamentos. Esse equipamento quebrou agora por dois motivos: pela falta de repasse do governo do Estado e pela falta de repasse de verbas de custeio pelo governo federal”.
Túlio destinou R$ 126 milhões por meio de emenda parlamentar no Plano Plurianual da União para ampliação da Linha Sul, no sentido Cabo-Centro do Recife. “Isso vai ajudar os usuários que precisam chegar a Suape e reduzir o tempo (de viagem) de 55 minutos para 10 minutos”, disse.
Já Daniel considerou ser difícil implantar um modelo de gestão no metrô quando ele é utilizado para uso político. “A questão do metrô é um problema que denota há 30 anos. O governo da vez repete o mesmo modelo que foi aplicado pelos governos anteriores. O metrô é sempre moeda de troca, e não dá para a gente aceitar, ainda mais um serviço de importância para a população”, disse.
“O metrô é indicação federal, agora o governo estadual foi aliado do governo federal (nos governos de Lula e parte do de Dilma Rousseff), e participava disso e achava normal”, completou Daniel. O deputado defendeu a realização de Parceria Público-Privada (PPP) no metrô nos mesmos moldes do que foi feito com os aeroportos do País. “Nos aeroportos um pedaço foi feito na gestão de Dilma e outro de Bolsonaro e ambas com relativo sucesso. Você faz uma licitação para uma empresa administrar e não emprega político para ele fazer cabide (de emprego). Nenhum País sério do mundo pode administrar com indicação”, pontuou Daniel Coelho.
Patrícia Domingos, por sua vez, cobrou punições. “Ao final das investigações, esperamos que os responsáveis arquem com as consequências jurídicas desta tragédia no metrô do Recife, que vitimou mais de 60 pessoas”, disse.
Questionada se a pauta da mobilidade urbana vai estar inserida no debate das eleições, Patrícia disse que “a pauta da mobilidade, em especial no que tange ao transporte público no Recife, deve ser tratada como prioridade”. “Sobretudo considerando que temos o décimo pior trânsito do mundo, segundo o ranking Traffic Index 2018.
“Ainda de acordo com pesquisa realizada através do aplicativo Moovit, no ano de 2019, Recife é a cidade campeã brasileira e a sétima no mundo em espera por transporte público, cerca de 25 minutos. O recifense merece ter um transporte público de qualidade, que atenda suas necessidades laborais e pessoais”, completou.
Para o cientista político Elton Gomes, o Recife tem uma série de problemas logísticos em relação ao transporte público que têm se tornado crônicos. “Isso tem ganhado muito o debate público em período eleitoral”, considerou.
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O governador Paulo Câmara (PSB), após participar de uma assembleia na Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), afirmou que vai oficiar o ministro de Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, solicitando providências sobre o acidente. "A gente vê claramente a necessidade de manutenção mais adequada e de uma profissionalização da gestão do metrô aqui no Recife. Não podemos trabalhar com improviso. Estamos fazendo um investimento e uma busca muito grandes para melhorar o serviço de ônibus, que é de responsabilidade do Estado, e vamos exigir que o governo federal também cumpra a sua obrigação em relação ao metrô, porque esse é um tema que também envolve mais de um milhão de pessoas diariamente que circulam de ônibus e metrô e precisam ter um tratamento digno por parte dos governantes", afirmou o governador, lembrando que o Procon e a procuradoria do Estado foram autorizados a investigar o caso.
Apesar de não estar em evidência atualmente como o metrô, a questão dos ônibus também está inserida na pauta do Recife. O ex-ministro Mendonça Filho (DEM), que tem sido apontado como provável candidato à Prefeitura do Recife, pediu no início de janeiro que a população protestasse contra o fim do BRT.
“É um absurdo. Prometido para ser um serviço de transporte público de qualidade e de melhoria da mobilidade urbana, o sistema BRT se transformou num exemplo da incompetência e descaso da gestão do PSB em Pernambuco”, criticou o democrata.
Mendonça também encabeçou a crítica de que o Recife teria se transformado na “capital brasileira da indústria da multa”, devido ao crescimento na arrecadação através de multas pela Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), que chegou a R$ 98 milhões em 2019, valor 40% maior que 2018.
Depois, o líder da oposição na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), Marco Aurélio (PRTB), também pré-candidato, compartilhou a mesma opinião: “O Recife tá perdendo no turismo, na geração de empregos e na indústria. A única coisa que cresce no Recife é a indústria da multa, como mostram os números”.
Segundo Elton, essa movimentação contra o que eles chamam de “indústria da multa” mira o eleitorado de classe média “que se sente acossado pelos instrumentos de fiscalização do Estado que, segundo eles, seria um excessivo rigor em um trânsito caótico”, disse. “Isso gerou uma grande quantidade de multas e tem um poder de mobilização interessante. Os políticos sabem disso e por isso investem nesse discurso”, completou o cientista político.
Também em janeiro, o governador Paulo Câmara (PSB) anunciou que as passagens de ônibus da Região Metropolitana do Recife não serão reajustadas em 2020. A medida foi criticada por adversários do socialista.
Na ocasião do anúncio, o pré-candidato à Prefeitura do Recife pelo PSOL, o ex-deputado federal Paulo Rubem Santiago, considerou “grave” o aumento zero das passagens. “Não apenas por ser ano eleitoral, mas porque não há transparência nas planilhas das empresas. Isso acontece no Brasil todo, bem como nos custos de todo o sistema”, comentou. Ele considerou “vergonhoso” não haver um esforço integrado por investimentos nos modais metroviário e rodoviário urbano de passageiros.