O poder do carbonara

Conheça a origem do molho que, embora simples, exige aquele pulo do gato que faz toda a diferença
Flávia de Gusmão
Publicado em 22/02/2013 às 7:24
Foto: NE10


O restaurante Sibilla, no bairro de Brera, em Milão, ferve na hora do almoço. Não há nada de sofisticado nele, bem ao contrário: os garçons são apressados, para não dizer abusados. O espaço é reduzido ao ponto de os clientes serem encaixados a vácuo nas mesas. Objetividade está na ordem do dia – tem que pedir e lavrar, porque não dá para ficar enrolando enquanto a fila cresce lá fora e a caixa registradora deixa de tilintar aqui dentro. No entanto, vive repleta de moradores e turistas, tudo isso por dois motivos: a comida é boa e o preço justo, para os padrões europeus (cerca de 15 euros por pessoa).

Para os visitantes de outros países, que não estão familiarizados com o longo e estranho glossário da culinária italiana (aquilo que a gente já ouviu falar pode ser comparado apenas com a alfabetização), o Sibilla e seus similares – que trabalham com as receitas mais básicas – oferecem uma vantagem a mais. Ao encontrarmos no menu universalidades como pizza e espaguete à carbonara suspiramos com a mesma sensação daqueles que conseguem chegar sãos e salvos ao seu destino depois de se perderem por um caminho desconhecido.

Será? O molho carbonara em questão pode ser comparado àquele vizinho que sempre encontramos no elevador, mas que, nem por isso, podemos dizer que o conhecemos a fundo. Sua receita original já sofreu tantos acréscimos ou substituições que é preciso raspar o fundo do tacho para recalcular sua rota. Como toda receita popular, sua origem é obscura e incerta, mas pesquisas localizam sua criação na época da Segunda Guerra Mundial quando, com a chegada dos aliados, principalmente os norte-americanos, houve uma farta distribuição de bacon e ovos liofilizados (que passam por um processo de desidratação, permitindo melhor preservação e transporte), alimentos altamente energéticos que ajudaram a população a superar as privações nutricionais do período. Ainda hoje, embora o carbonara seja considerado um primo piatto por ser uma massa, tem robustez suficiente para se tornar um prato único. Vale lembrar que, na Itália moderna, com as mesmas necessidades de pressa e preocupação com a silhueta, cresce o número de pessoas que resume a refeição a uma só opção.

Embora existam misturas similares em outras épocas, o que consubstancia esta hipótese é o fato de o preparo, assim nominado, só aparecer publicado em 1954, no livro de receitas de comida italiana da autora britânica Elizabeth David. No clássico La cucina romana (1927), de Ada Boni, por exemplo, nem sinal dele, embora a edição atual já o descreva. Os defensores de qualquer que seja a hipótese, no entanto, não disputam que se trata de uma receita urbana, mais precisamente da região do Lácio, onde se localiza Roma.

O nome carbonara pode fazer referência aos cubos de bacon, escurecidos após a fritura, que, em contraste com o todo, branco, lembrariam pequenos pedaços de carvão. Mas, novamente, é apenas uma das explicações, uma vez que existe ainda aquela que fala das prostitutas que utilizavam fogareiros a carvão para prepararem suas refeições e que, em contato com os ingredientes fornecidos pelos soldados, passaram a misturá-los, compondo a nova receita.

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Claro é que, se os otimistas fazem dos limões uma limonada, os italianos usaram o que tinham à mão para fazer uma macarronada. Sendo assim: carne curada de porco, ovos, queijo, sal e pimenta formaram o molho do legítimo carbonara, que foi incorporado à massa, que podia ser espaguete, fettuccine, penne, bucatini ou até rigatoni. Pequenas variações, como um toquezinho de creme de leite, não são consideradas pecados mortais. O mesmo não se pode dizer daqueles que incluem ervilhas, brócolis e até presunto. Estes arriscam-se a ir para um inferno onde macarrão instantâneo é considerado iguaria finíssima.

Leia mais na edição desta sexta-feira (22) do JC.

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