VIAGEM

De bicicleta, Carol já percorreu mais de 7 mil quilômetros

Há mais de um ano na estrada, ela foi aos poucos. E hoje entende que essa é sua vida no momento: ?viajante?.

Carolina Albuquerque
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Carolina Albuquerque
Publicado em 22/03/2015 às 8:00
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Há mais de um ano na estrada, ela foi aos poucos. E hoje entende que essa é sua vida no momento: ?viajante?. - FOTO: Arquivo Pessoal
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Carol Emboava decidiu subir numa bicicleta e percorrer 13 mil quilômetros, do Uruguai até o Peru. Há mais de um ano na estrada, ela foi aos poucos. E hoje entende que essa é sua vida no momento: “viajante”. Para acompanhar a aventura: @Giramerica (Facebook)

É a primeira viagem que faz só?

Havia feito uma viagem sozinha há mais de 10 anos. Mas foi uma viagem curtinha, de apenas dois dias e próximo da região onde morava. Longa e longe é a primeira vez que me aventuro.

Como foi a decisão? O fato de ser uma mulher só na estrada pesou na hora? 

Decidi que estava no meu melhor momento para fazer uma viagem longa, que supostamente seria de um ano. E resolvi deixar todas as desculpas de lado. Não é fácil o momento em que você dá esse grande passo, pois é algo bastante importante. Mas daí pra frente o prazer do planejamento de uma viagem é quase o mesmo de já estar viajando. De primeiro momento passou algo pela minha cabeça sobre fazê-la sozinha, mas isso nunca foi um impedimento pra mim, eu já fazia trilhas e travessias só, então era só estender um pouco mais os quilômetros dessa vez. Decidir pela viagem não tem um único motivo, simplesmente a vontade de viajar, e acho que esse já é um graaande e especial motivo. Queria aprender outro idioma e conhecer lugares lindos. E sabia que a bicicleta poderia me proporcionar isso da melhor forma. Fazendo muitos quilômetros por dia, mas indo devagar o suficiente para conhecer e interagir com os lugares e as pessoas.

Imagino a quantidade de sentimentos que passaram logo nos primeiros dias e semanas. Como os avalia? 

O mais difícil é a despedida, é subir na bicicleta e deixar tudo pra trás. Esse momento foi muito difícil, porque é um mundo inteiro de possibilidades ali na sua frente e apesar da vontade, os braços são curtos pra abraçar tudo de uma vez. Então tem que estar calma, concentrada e muito segura de tudo. Segurar a onda, respirar fundo e

saber que as coisas vão acontecer na hora certa, aos poucos. Depois de 10km em cima da bicicleta, toda a apreensão, os medos e expectativas vão ficando mais leve, acho que o vento ajuda e levá-los aos poucos. Hoje assumi que essa é a vida que tenho nesse momento, sou uma viajante e do meu futuro nem eu mesma sei. Quando eu  estava vivendo uma "vida normal" tentava planejar tudo, organizar as coisas para que elas saíssem como eu esperava, colocava prazo em projetos, o que é bom e cria objetivos. Mas agora aprendi que há também um outro modo de viver e encarar a vida, um pouco mais relaxado. Assim, deixo as coisas acontecerem no seu ritmo, Não fico mais desesperada em sair de um ponto e chegar a outro sem saber onde vou dormir, sei que quando chegar lá tudo se acerta. E até agora tem dado certo!

Como foram os primeiros dias? 

O primeiro e segundo dia tive a companhia de um amigo, o que foi ótimo pra aguentar toda a carga emocional da partida. No terceiro dia foi pra mim um novo começo, dessa vez sozinha. Me senti como um passarinho que acaba de sair da gaiola e vê tanta árvore pela frente que não sabe pra onde ir. Pedalei com chuva, cantando em cima da bicicleta num êxtase total. Acampei em camping, mas estava acostumada com isso, porque já fazia trilha há mais de 10 anos, então montar a barraca, cozinhar em fogareiro agachada no chão, etc não eram novidades. Depois de 3 ou 4 meses de viagem fui chegando na parte mais deserta do caminho, a Patagônia Argentina e aí sim era hora de acampar ao lado da estrada, em posto de gasolina. Mas acredito que os meses de estrada já foram me preparando psicologicamente pra isso e quando chegou o momento passei sem problemas.

Na estrada, encontrou muitas outras mulheres viajando só?

Encontrei com pouquíssimas mulheres viajando sozinhas. Me hospedei na casa de uma argentina que havia feito uma viagem até Ushuaia e hoje está pedalando pelo Brasil. Conheci uma australiana que vinha desde o Peru e pedalamos por 3 dias juntas. Uma canadense que pedalou do seu país até Ushuaia, um arraso! E no Chile conheci também uma russa que estava há um ano e meio viajando desde a Colômbia até Ushuaia. Todas elas eram mulheres fortes, com um sorriso estampado no rosto queimado de sol. Uma viagem em solitário é algo que te transforma e isso ficava evidente quando se olhava pra elas.

Falam sempre dos perigos para você?

Muitas das pessoas que falam que o mundo é perigoso estão olhando pra ele da janela de suas casas ou pela tela da televisão. É gente que não se arrisca e tem medo até mesmo de tentar. Escuto sempre para ter cuidado aqui ou ali, pra não dormir sozinha em qualquer lugar. Tomo os devidos cuidados, tentando não me expor ao perigo desnecessário, não pedalo a noite e se muita gente me diz que um trecho é extremamente perigoso prefiro "pular" essa parte, como fiz saindo de Buenos Aires até La Plata, e tomei um trem por uns 50km. De resto, viajar sozinha oferece os mesmos riscos de sair sozinha na rua e eu jamais me trancaria em casa por medos dos riscos da vida.

Em que você acha que o fato de ser mulher limitaria as suas vivências e experiências numa viagem como essa?

De nenhuma forma limita isso ou aquilo. Essa limitação está na cabeça de cada um. Nunca deixei de aproveitar nenhum momento ou lugar por ser mulher. Pedalei 7500km, dormi nos lugares mais inusitados como casas abandonadas, ônibus velhos na beira estrada, acampada em posto de gasolina, no chão de igreja, na beira de rios incríveis, nadei pelada numa laguna de desgelo, caminhei num glaciar, vi pinguins, lobos marinhos, orcas, guanacos, lhamas, fugi de cachorro na estrada, tomei chuva na cabeça, passei frio e calor, trabalhei de babá, de guia de turismo e garçonete. Conheci gente de todo tipo, crença e classe social. E em nenhum momento me senti limitada por ser mulher, muito pelo contrário, pra mim é a prova de que isso de sexo frágil não existe há muito tempo.


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