Larissa Gomes tem 27 anos e é formada em direito pela UFJF. Isso, porém, não a define. Ela acabou de completar 365 dias de viagem por alguns países da América do Sul. Mineira da cidade de Carangola, é uma viajante por tempo indeterminado. Para acompanhar essa experiência, acessar @RosadosVentos, no Facebook.
Como foi o momento em que você decidiu viajar somente ser mulher pesou? Teve medo de seguir em frente por algum motivo?
Essa coisa de "ser mulher" nunca fez muito sentido na minha cabeça. Eu me lembro de ver meu irmão ter muito mais liberdade para brincar na rua, passear e sair com os amigos que eu e minha irma, e sempre me sentia mal com isso! Quando cresci e entendi que algumas convenções e regras sociais são uma bobagem, principalmente na sociedade machista em que vivemos, passei a fazer o que me dava vontade, independente de ter nascido mulher ou homem e com a decisão de viajar não foi diferente.
Com relação a ter medos, sim claro, um montão deles em vários momentos distintos, mas nada relacionado única e exclusivamente com o fato de ser mulher e nada que me fizesse desistir de viajar ou querer verdadeiramente voltar para casa. Eu tenho medo de saltar de paraquedas e de ficar doente em um pais com uma saúde publica muito decadente por exemplo, mas os homens com certeza também tem!
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Imagino a quantidade de sentimentos que passaram logo nos primeiros dias e semanas. Como os avalia?
Essa pergunta me fez lembrar a primeira carona que peguei nessa viagem, saindo do Rio de Janeiro em sentido a Angra dos Reis. Eu sai da casa do Gabriel (que me recebeu no Rio pelo couchsurfing) super tarde, tomei o metro errado e fui parar a uns 20 km da estrada onde eu tinha que pedir carona, não tinha nem ideia de quantos quilômetros ia viajar naquele dia... completamente perdida! Quando um carro parou para mim eu entrei mas nem me movia, não sabia o que dizer ao motorista, aquele friozinho na barriga de querer muito algo mas não ter a certeza de estar no caminho certo. Isso sem falar no pouco dinheiro que eu tinha, na necessidade de conseguir onde dormir, a expectativa e a ansiedade do que ainda esta por vir, do que ainda vou conhecer. Depois de um ano de viagem eu continuo errando e me perdendo, mas aprendi a lidar melhor com os problemas que surgem, seja a carona que não vem, o trabalho que paga mal, o seu anfitrião que viaja sem te avisar e você não tem onde dormir.
Como foram os primeiros dias?
Já acampei sozinha, já dormi em posto de gasolina, em parada de ônibus e rodoviária, e obviamente não foram as noites mais confortáveis da minha vida, mas não é conforto que busco nessa viagem, então tudo bem! Para quem tem que descer de um carro no meio da estrada, conseguir encontrar, no meio do nada, um posto de gasolina com banheiro e um lugarzinho onde colocar a barraca, felicidade pura!
Na estrada, encontrou muitas outras mulheres viajando só?
Por meio da minha pagina, a Rosa dos Ventos, eu acabo conhecendo, ainda que só via internet, muitas mulheres que viajam e se aventuram sozinhas pelo mundo, mas pessoalmente acho que conheci só a Nath, que se tornou minha amiga e companheira de viagem durante o tempo que estivemos pelas patagônias, argentina e chilena e durante o tempo que moramos em Pucón, no Chile.
Falam sempre dos perigos para você?
Sempre tem alguém para me falar que viajar de carona é perigoso, que ser mulher no mundo atual é complicado e que em tal região existe sequestro e estupro de “x” mulheres por semana. Eu obviamente averíguo informações sobre os países e regiões para onde vou, mas procuro informações com quem já esteve lá, com viajantes, blogueiros, amigos, e não com quem "ouviu dizer isso" e "viu aquilo outro na televisão".
Com relação a momentos temerosos, teve um momento em que senti muito medo durante uma carona. Eu e Nathaly estávamos viajando para Ushuaia, Argentina e o caminhoneiro que nos levava decidiu estacionar em um terreno no meio do nada, super longe do nosso destino e as 10h da noite. Ficamos dentro da cabine do caminhão e ele desceu, em seguida apareceram uns 8 caminhoneiros ao redor da cabine e nós duas sozinhas la dentro. Ficamos tentando ver o que estava acontecendo, mas o motorista não nos deixou acender a luz nem do nosso celular, estávamos morrendo de medo porque não sabíamos o que estava acontecendo e ficamos lá por um bom tempo. Depois Nath conseguiu ver que eles estavam tirando combustível do caminhão onde estávamos e guardando em uns tambores e enterrando-os, muito provavelmente estavam traficando combustível e não queriam ser vistos. Depois o motorista que nos levava voltou a dirigir sem nos dizer nenhuma palavra e nos deixou na entrada da cidade para onde íamos.
Que aprendizados tirou ao longo da sua viagem, principalmente para amenizar essa vulnerabilidade?
A nossa sociedade ainda é super machista e eu percebi que mesmo que você se vista, fale, gesticule e faca tudo aquilo que é considerado "socialmente correto" para uma "mulher de respeito", o que para mim é uma convenção social estupida, você ainda assim sera assediada e ainda assim sera vista como "presa fácil". Mas existe uma coisa que eu descobri funcionar bastante bem contra machistas de todo gênero. Não "se dê ao respeito" exija-o,sempre diga aberta e francamente que não gostou de uma piada ou cantada e que aquela mão no seu joelho é algo inadmissível. Os machistas não estão acostumados a receberem não como resposta e muito menos acostumados com mulheres independentes e que vivem bem sem uma presença masculina, isso causa medo neles e o medo os faz te respeitar. É algo triste de se dizer, que seja necessário fazer esse tipo de coisa para ganhar respeito, algo que deveria vir gratuitamente, mas é algo que aprendi e que ameniza nossa vulnerabilidade, principalmente durante uma carona, quando não se tem "para onde correr".
Em que você acha que o fato de ser mulher limitaria as suas vivências e experiências numa viagem como essa?
Ser mulher não tem me impedido de fazer absolutamente nada até o momento, mas imagino que em países onde a liberdade feminina é limitada pelo próprio Estado eu teria algumas complicações sim! Aparte desses países, as limitações que as mulheres tem, em sua maioria, são as que elas impõem a si mesmas por acreditarem, repito, em convenções sociais estupidas. Eu não preciso ter filhos para me sentir uma mulher completa, não preciso pesar 45 kg para colocar um biquíni e desfilar pela praia e muito menos deixar de fazer algo que gosto, seja sexo casual ou uma viagem de carona, porque outras pessoas imaginam que é assim que se vive a vida.
Como a família e amigos encaram seu estilo de viajar?
Digamos que eles aceitam. Meus pais não concordam com a ideia de viajar de carona, com tao pouco dinheiro, dormindo na casa de desconhecidos, mas aceitam, se acostumaram eu acho. Meu pai em especial não gosta do meu estilo de viagem para nada mas minha mãe é o meu grande pilar, ela não é grande incentivadora porque sente saudades e sempre diz que "tem medo da minha coragem" mas sem o mínimo apoio dela eu não teria seguido por muito tempo! Meus irmãos e a maioria dos amigos ainda me dizem que isso tudo é um pouco loucura, mas acompanham a Rosa dos Ventos, falam que nas próximas ferias vem me visitar em algum lugar do mundo, me enviam artigos com dicas de viagem e coisas do tipo! No fundo todos estão felizes com a minha felicidade, isso é o mais importante!