A reação de empresas globais de retirarem publicidade do Google e de sua plataforma de vídeos, o YouTube, após suas propagandas aparecerem ao lado de vídeos que incitavam o terrorismo, pode representar um desafio ao modelo econômico dos gigantes da web. O alerta é de Alex Krasodomski-Jones, pesquisador do Centro de Análise de Mídia Social (CASM, em inglês), um polo de pesquisa e de tecnologia que faz parte do centro de estudos britânico Demos.
Em entrevista ao Estado, o pesquisador de Londres aponta para uma crise de reputação por parte do Google. Mas estima que, por sua posição dominante, a gigante de tecnologia dificilmente deixará de contar com anunciantes. "O que pode mudar é o modelo econômico", afirmou o pesquisador, que tem como foco o extremismo e sua relação com redes sociais. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O anúncio de grandes marcas de que não vão colocar suas publicidades no Google é algo que pode mudar a relação com o mundo virtual?
Ainda é difícil saber a dimensão do que está ocorrendo. Em teoria, trata-se de um desafio direto aos modelos econômicos que permitiram gigantes como o Google ganhar tanto dinheiro. Nós, usuários, jamais pagamos para usar esses motores de busca e, claro, seu tamanho obtido nos últimos anos vem justamente da publicidade. Agora, é o modelo que pode ser obrigado a ser revisto.
Ainda teremos mais empresas deixando de fazer publicidade por conta desse caso?
O número de anúncios nesse sentido ainda cresce. Nos últimos dias, tivemos mais empresas americanas fazendo anúncios similares.
E de que forma o modelo econômico pode mudar?
A resposta do Google já deu uma indicação do caminho que pode ter essa nova tendência. Segundo a empresa, alguns dos vídeos colocados não vão ter mais publicidade. Ou seja, não vão ganhar dinheiro. Isso cria dois níveis de conteúdo que até agora não existiam. Haverá aquele padrão, que irá gerar ganhos, e outros que não. O que preocupa é que será o Google que vai decidir quem vai ser lucrativo. Hoje, essa empresa já tem a capacidade de moldar a forma pela qual entendemos o mundo. Mas, claro, ela precisa estar dentro de um modelo econômico e comercial. E, nesse modelo, é ela quem vai dizer quem ganha ou não ao colocar as coisas na web.
Como o sr. interpreta o poder de grandes anunciantes que, mesmo sendo do mundo real, têm ainda um grande impacto na empresa que hoje é uma das predominantes no mundo virtual?
É curioso. Podemos ter vontade política, pressão partidária e mesmo da opinião pública para que o Google retire do ar certa informação. Mas o que muda é quando os investidores retiram seus apoios. É o poder do mercado. Claro, não é a questão da liberdade de expressão que é tão vocal em uma decisão.
Esse é um momento de inflexão por parte do mundo virtual?
Acho que as grandes empresas offline vão continuar sendo substituídas pelo mundo online, em compras e em tantos outros setores. Mas a realidade é que o Google tem um poder de fogo tão grande no momento que tenho certeza de que vai acabar acomodando a todos. Ele se transformou nessa empresa gigante porque é eficiente no que faz. Claro, o Google vai ter de provar que a marca de um patrocinador não vai mais aparecer em um vídeo questionável. Mas, ainda assim, no médio prazo, seu poder é maior que o risco que gera e estou certo de que um entendimento será encontrado, sob um novo modelo.
Mas esse poder também vem de um certo monopólio.
Sim, essa é a questão maior. Hoje, ele é praticamente o único instrumento amplamente confiável e acessível para entender a web Trata-se de um monopólio massivo e que tem o poder de controlar como o mundo se apresenta, pelo menos no Ocidente. É muito poder Existe uma geração cada vez mais dependente do Google para entender o mundo e formar sua opinião. Nos anos 20, monopólios dessa natureza eram combatidos. Mas, hoje, ainda os vemos de forma muito clara no online.
O sr. acredita que houve um impacto na credibilidade do Google diante dessa história?
Aqui, no Reino Unido, um jornal trouxe em sua capa a seguinte frase: "Google é uma ameaça terrorista". Claro, eles estão sendo atacados na imprensa e por político. Trata-se da primeira crise de reputação para eles. Mas não acho que haverá uma consequência de longo prazo. Por sua posição dominante, ninguém os abandonará Da parte do consumidor, estamos tão acostumados com a facilidade que é seu serviço de busca que dificilmente esse hábito mudará. Mas, sim, o que pode mudar é o modelo econômico.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.