Há alguns anos, quando o assunto humanização chegou aos serviços de saúde, a reação dos profissionais de saúde foi variada. Algumas pessoas (que já desenvolviam ações humanizadoras) sentiram-se finalmente reconhecidas e encontraram ainda mais motivação, mas a maioria (que não fazia a mínima ideia do que se tratava) reagiu sem dar muita importância. Humanizar os serviços soava como um insulto. Entretanto, tão logo se começava a discutir a humanização como o processo de construção de uma ética relacional que recuperava valores humanísticos esquecidos pelo cotidiano institucional ora acelerado, ora desvitalizado, ficava claro a importância de trazer tal discussão para o campo da saúde. Humanizar entra em cena como uma garantia do sensibilizar com uso da linguagem, toque, olhar, palavra e encontro com o outro e a sua dignidade ética.
Então onde entra a palavra e o encontro com o outro? Para que o sentimento humano, as percepções de dor ou de prazer sejam humanizadas, é preciso que as palavras que o sujeito expressa sejam reconhecidas pelo outro. A humanização depende de nossa capacidade de falar e de ouvir, depende do diálogo com nossos semelhantes. Humanizar a assistência à saúde é dar lugar não só à palavra do usuário como também à palavra do profissional de saúde, de forma que tanto um quanto outro possam fazer parte de uma rede de diálogo. A humanização em saúde é resgatar o respeito à vida humana, levando-se em conta as circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíquicas em todo relacionamento humano.
É através do corpo que a pessoa se sente fragilizada, pois a doença instala o estresse, os próprios valores são questionados, a finitude da vida, e novas situações se apresentam à frente, por vezes agravando problemas anteriores ao evento “hospitalização”, enquanto situação nova e às vezes inusitada para o individuo, mostrando o momento de crise em que a doença revela e alimenta a fragilização do ser humano.
Neste contexto a afetividade, mostra-se no ser gentil, amável, sorridente, compreensível, respeitoso e que demonstra consideração pelo outro. O tocar o ombro ou as mãos de quem está precisando de ajuda é um ato intuitivo e multicultural. E embora não se resuma a um mero contato físico, é parte ativa do cuidado emocional. Sabemos o quanto isso é importante em nosso dia a dia.
Muitos estudos têm mostrado que o paciente bem informado tende a se sentir mais seguro e colaborar no processo de cuidar. Isso implica que o profissional de saúde lhe passe informações corretas e seguras sobre seu tratamento e sobre os procedimentos e exames a que será submetido por exemplo. Em caso de internação, a família também deve ser esclarecida sobre os acontecimentos de modo a se sentir menos angustiada e ansiosa, a compreender bem a situação real e prestar o necessário apoio ao parente doente e a equipe cuidadora.
O cuidar implica um processo cuja meta principal não é a cura, mas uma ação que explore procedimentos técnicos e conhecimentos, englobando atitudes e comportamentos que busquem o alívio do sofrimento, a manutenção da dignidade e a facilidade de meios para manejar situações de crise e experiências ligadas à vida e a morte.
Assim, o cuidar supera um ato, uma ação mecânica ou automatizada, sendo, portanto, mais caracterizado por uma atitude. Vale lembrar que quem ama cuida, preocupa-se e se envolve afetivamente como o outro, porque consegue ver no outro uma vida que não se resumo somente no corpo.
Diante de tudo isso, a emoção é aquilo que mexe com o coração e, quando esquecemos das mensagens do coração, acabamos por nos aprisionar a um sistema muito materialista e por esquecer nossa perspectiva maior, desviando nossos caminhos.
De qualquer modo, humanizar a relação com a pessoa doente exige que o profissional de saúde valorize a afetividade e a sensibilidade enquanto elementos necessários do cuidado, caracterizando um encontro entre pessoas que podem compartilhar saberes, poderes e experiências vividas, em um processo construtivo de relação saudável.
* Bruno Severo Gomes é biólogo, psicopedagogo, especialista em análises clínicas, mestre em Micologia, doutor em Microbiologia, professor do Departamento de Micologia da UFPE, pesquisador da Micoteca URM, escritor de literatura infantil, aspirante da Escola Diaconal da Arquidiocese de Olinda e Recife, coordenador da Palhaçoterapia do Hospital das Clínicas da UFPE (Programa Manifestações de Arte Integradas à Saúde), assessor técnico-científico da Pastoral da Saúde (CNBB-NE2) e Palhaço de Hospital.