A discussão sobre a aprovação do novo marco legal do saneamento, com a bobageira de “privatização da água”, possui algo de ridículo misturado com a demagogia habitual. O argumento é falacioso. Ninguém vai privatizar a água.
As novas regras permitem agora uma competição entre empresas privadas e públicas para o abastecimento e para o saneamento básico, com tratamento de água e esgoto. As empresas públicas não estão sendo vendidas, apenas deixarão de prestar com exclusividade o serviço para o qual comprovaram ser tão incompetentes ao longo de décadas.
Senhoras e senhores, a cobertura de saneamento básico em municípios muito urbanizados de Pernambuco, como Jaboatão dos Guararapes, por exemplo, é de menos de 10%. Significa que 90% do cocô e do xixi dessas cidades é jogado na rua, no rio, na praia, sem tratamento.
Sem a aprovação do novo Marco Legal, as prefeituras eram praticamente obrigadas por lei a contratar a única empresa que poderia fornecer esse serviço e que o faz com essa eficiência risível.
Quem defende o modelo atual e reclama das novas regras, choramingando o “assalto às águas brasileiras”, faz crer que apoia o fato de quase metade da população brasileira, inclusive crianças, brincarem no esgoto, adquirindo doenças.
Hoje, 47% da população não tem banheiro, por definição própria. É bom repetir: quase metade dos brasileiros nesse País pretensamente evoluído (não, não é) ainda faz suas necessidades fisiológicas e depois convive com o resultado em intimidade de pele, olhos e boca.
Sim, é escatológico. E isso é o que estão defendendo os que resolveram gritar nas últimas 24h que “estão vendendo a água do Brasil”. Não só é um argumento mentiroso como esconde a real intenção e preocupação dessas pessoas, ligadas a partidos políticos em sua maioria.
É que se a empresa pública tiver concorrência, vai precisar ser eficiente. Para ser eficiente, não pode servir como cabide de emprego e ponto de influência política. Na prática, o que essas pessoas querem dizer, quando reclamam, é que é melhor crianças brincando no cocô do que os políticos perderem influência e cargos para indicar.
Essa mesma discussão aconteceu na época em que se mudou a regra sobre exploração da telefonia no Brasil. Na época, um telefone (fixo) custava o preço de um carro, celular não existia por aqui e o argumento de quem era contra: “Estão vendendo um patrimônio do Brasil”.
Nesse País, é preciso garantir saneamento básico pra ouvido também. Pra o tipo de coisa que se escuta dentro das discussões políticas.