Cem dias dá um pouco mais de três meses e representa pouco mais de 6% do tempo de um mandato eletivo no Brasil. Em 100 dias não dá, por exemplo, pra colocar nenhuma obra em execução, porque a burocracia brasileira não permite que uma licitação normal seja concluída em menos do que três meses.
Não é questão de vontade, é prazo de lei, é trâmite mínimo para documentos. Não dá. Não sai nada de concreto em 100 dias. Quem inventou esse cálculo de 100 dias para fazer balanço de governo, nunca governou nada no Brasil.
O que dá pra fazer em três meses? Organizar a casa e colocar ela pra funcionar. Para agilizar isso, existem os períodos de transição de governo, inclusive. Que são muito mal utilizados aqui pelos gestores.
Nos aeroportos internacionais, a primeira coisa que o sujeito carregando drogas dentro de uma mala costuma dizer aos agentes da Polícia Federal, antes mesmo de ela ser aberta, é que “a mala era de um amigo”. No caso do tráfico é sempre “um amigo que o sujeito não lembra o nome”.
Nos governos tem uma diferença. Gestores que assumem cargos no Brasil costumam aproveitar a transição para já irem avisando que não tem nada a ver com os problemas da cadeira que estão prestes a assumir. “Essa mala é do meu antecessor”, avisam logo no período de transição e seguem repetindo nos primeiros três meses de governo, quando a bagagem já está, atenção, sob sua posse. Dá-se, entretanto, com justiça, a folga de 100 dias.
No caso de uma gestão pública, não é possível fazer cobranças em três meses. Esqueça-se isso, porque é uma bobagem estéril. Mas esse período é, sim, uma largada. É o fim dos preparativos e o real começo da administração em vigor. Agora, a bagagem é sua.
E o eterno candidato a presidente, nosso “vendedor de guarda-chuvas” cearense preferido, Ciro Gomes (PDT), que já foi governador de estado, sabe bem disso. Não por acaso ele afirmou ao término da eleição de 2022 que só falaria qualquer coisa do governo Lula (PT) depois de cem dias.
É o prazo para você cobrar presidente e governadores com mais firmeza. Já deu tempo de avaliar os cofres, já deu tempo de organizar uma base sólida nos legislativos, já deu tempo de manufaturar diretrizes e sistematizar planos de ação para os principais setores que necessitam de soluções dos gestores. Já deu tempo de apresentar o que, afinal, será possível fazer para além de toda a cachoeira de verbos eleitorais que uma campanha derrama nos pobres ouvidos dos pacientes eleitores/contribuintes.
E, nesse ponto, é preciso perguntar aos governadores e ao presidente: deu tempo, né? Porque, agora, as desculpas que valiam não valem mais. Dizer que está “arrumando a casa” já não faz mais tanto sentido. E se, nessa altura, ainda não há soluções para os problemas mais urgentes, temo dizer que nos encaminhamos para três anos e duzentos e sessenta e cinco dias de muita dificuldade política e administrativa.
Reclamar antes dos cem dias de um governo é covardia, desconhecimento ou oportunismo. Mas, a partir da próxima terça-feira (11), quando esse marco for atingido, cobrar e reclamar será obrigação se as coisas ainda estiverem erradas.
O texto acima não é sobre Lula (PT) ou sobre Raquel Lyra (PSDB). E, por isso, nada específico sobre eles foi citado.
Mas, Lula e Raquel estão com dificuldades para olhar para frente e ambos também estão com problemas para formar uma base sólida nos legislativos. Pegaram gestões com problemas? Sim. Muitos problemas.
Mas, a bagagem agora é responsabilidade deles. E as cobranças chegarão.
A coluna se refere ao ex-governador Ciro Gomes (PDT) como vendedor de guarda-chuvas, porque embora tenha inúmeras qualidades, ele sempre atua anunciando “chuvas” em dias plenos de sol para tentar capitalizar politicamente quando a água, finalmente, cai algum dia.
Todo dia, por exemplo, ele diz que o dólar vai aumentar e, quando aumenta, foi “ele quem avisou”.
Todo dia ele diz que vem um temporal e, embora o sol dure, não será para sempre. Um dia chove.
A estratégia acaba fazendo com que as pessoas se arrependam de não terem comprado o guarda-chuva nos dias anteriores e, o mais importante para Ciro, dão ao vendedor ares de “profeta”.