O relato de um deputado estadual que acompanhou de perto a votação do projeto que aumenta o percentual das emendas impositivas, na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa, semana passada, dá uma ideia da dificuldade que o governo Raquel Lyra (PSDB) está tendo com o legislativo local. A comissão é formada por nove membros e a maioria é da chamada “bancada independente”.
Como a votação desagradava o governo, porque obriga a governadora a destinar um valor maior para as emendas distribuídas aos parlamentares, os membros da pequena oposição na casa imaginaram que a reunião seria esvaziada, evitando a votação.
Foi uma surpresa, até para a oposição, quando os deputados começaram a chegar e tomar seus lugares. A surpresa maior foi que, não apenas os titulares, mas os suplentes foram aparecendo e também sentando. Ninguém esperava nem os nove. E a sala recebeu 21 deputados.
Na hora de iniciar a votação, esses mesmos oposicionistas acreditavam que o projeto seria derrubado, por ordem do Palácio do Campo das Princesas que teria chegado a chamar o deputado que presidiu a sessão para uma conversa antes.
A votação começou pela representante do PSDB, Débora Albuquerque, que votou contra o texto, como queria o governo.
Depois, foi a vez do deputado João Paulo (PT) que também votou não. Por ser do PT, que tenta fazer oposição à Raquel, o voto de João Paulo deu a impressão de que, realmente, a matéria seria rejeitada, até com o aval do PT.
Acontece que todos os outros votos foram “sim”, liberando o texto para ir ao plenário. A vitória da oposição (minoritária na Casa) só foi possível porque os deputados “independentes” votaram com a oposição.
E isso confirma o que a coluna vem alertando sobre a bancada que não é nem oposição e nem situação, posicionando-se por ocasião e sem qualquer compromisso que não seja o do momento. O governo vai ficar refém de um grupo que sempre terá poder para negociar seus próprios interesses em troca dos interesses, não só da governadora, mas do Estado.
E se isso é ruim para Raquel Lyra, pode ser péssimo para Pernambuco. O Palácio está se metendo numa armadilha que trará consequências graves no futuro não tão distante. O que está em curso em Pernambuco, como também acontece no Congresso Nacional há mais tempo e com métodos um pouco diferentes, é um sequestro da governabilidade.
É um caminho que se trilha quase sem perceber e quando se tenta retornar é quase impossível sem uma crise de ruptura.
Esta semana, inclusive, será possível perceber isso na prática. Muito provavelmente, a votação do projeto que interessa aos deputados, aumentando as emendas, acontecerá junto com um projeto que interessa à governadora, do remanejamento de R$ 5 bilhões no orçamento de 2023. Ninguém vai dizer isso publicamente, pode-se até disfarçar, mas os projetos estarão entrelaçados. Só aprovam um se o outro também for aprovado.
E se, neste momento, com o governo carregando uma boa aprovação e perto de ainda fazer cem dias, este tipo de condicionante entre projetos já está acontecendo na Alepe. Imagine quando a gestão começar a ser cobrada e caso essa aprovação diminua.
Aí, será difícil segurar a tal da bancada independente, que terá poder para alavancar ou travar o estado, dependendo dos interesses em jogo.
Dos bastidores da Alepe, nessa discussão sobre a garantia de uma base do governo no Legislativo, uma preocupação tem rondado a cabeça de alguns deputados.
Paulo Câmara teve dificuldades com a maioria de seus secretários de Casa Civil, responsáveis por fazer a articulação com a Assembleia, porque eles não conseguiam garantir que a palavra deles era a palavra do governador. Isso gerava crises que só foram sanadas quando José Neto assumiu o posto. Os parlamentares dizem que, quando ele falava, sabiam que era o governador quem estava falando através dele.
Havia confiança na fora de fechar acordos de articulação política.
Ao menos dois deputados que conversaram com a coluna nos últimos dias disseram que isso está sendo um problema novamente. Apesar de a vice-governadora Priscila Krause (Cidadania) estar atuando junto com o secretário da Casa Civil, Túlio Vilaça, nesse contato com a Alepe, sentem que os dois não “falam por Raquel”, o que os preocupa.