O brasileiro relativiza o absurdo com uma facilidade enorme. Você tem algumas centenas de prédios condenados, prestes a desabar, com pessoas vivendo lá dentro. As autoridades públicas sabem disso, mas se arrastam para tomar decisões. Até que desaba um edifício, pessoas morrem.
Você tem milhares de pessoas vivendo em situação de risco com barreiras, em áreas de morro. Toda chuva gera terror e a apreensão de que deslizamentos venham a provocar mortes. Mas somente na chuva forte ou na tragédia posterior é que há movimentação efetiva dos órgãos públicos.
Mesmo assim, moradia não é um assunto tratado como tema urgente no Brasil. Mesmo assim, políticos costumam esperar agendas eleitorais propícias para fazer entrega de residências. Mesmo assim, habitacionais inteiros ficam fechados, quase prontos, aguardando pequenos entraves burocráticos serem resolvidos.
Os prédios do Encanta Moça, por exemplo, ficaram praticamente prontos aguardando ajustes no contrato e instalações da Compesa.
A Compesa não tinha realizado ainda a compra dos conjuntos motobombas e quadros elétricos da elevatória. São dezesseis blocos com 600 apartamentos, que começaram a ser construídos em 2019, e estavam prontos, mas vazios.
Tudo enquanto a população de rua e vivendo em áreas de risco só aumentou na cidade.
Outro absurdo relativizado no país são as torcidas de futebol que se ocupam de quebrar patrimônio alheio, bater e matar, mas com quem se gasta recurso público designando policiais para reduzir danos. E acaba se tornando comum a cena de policiais escoltando torcedores bandidos pelas ruas para tentar evitar um caos maior.
Esses grupos violentos trabalham contra o futebol, afastam cidadãos dos estádios e prejudicam o esporte contaminando com ódio, intolerância e selvageria o que deveria ser apenas paixão genuína e diversão. Pior ainda, muitos são patrocinados e mantidos pelos próprios dirigentes de clubes.
E, ainda pior, muitas dessas torcidas tem apoio de políticos, de olho no volume de votos que essas organizações criminosas podem proporcionar. Acabam sendo todos cúmplices. Dirigentes e políticos (que muitas vezes se confundem), quando apoiam, têm participação em cada morte, cada agressão e cada patrimônio destruído nessas confusões que usam o futebol como desculpa.
Deveriam ser cobrados e punidos de maneira exemplar, se fossemos um país sério. Não somos.
O que também não pode ser relativizado é o respeito à decisão do Congresso Nacional que garantiu a autonomia do Banco Central, numa votação apoiada por 339 deputados e por 56 senadores em 2020.
Há um abaixo assinado sendo divulgado, que já recebeu o apoio da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e de outros membros do partido, pedindo a “cassação de Roberto Campos Neto”. Os petistas tentam mudar o jogo porque o jogo não está acontecendo da maneira que eles esperavam.
Foi dada autonomia para que o Banco Central tivesse a liberdade de agir de acordo com a economia brasileira e não com o governo em curso.
As regras do jogo são feitas para preservar a integridade do jogo, não para beneficiar o presidente ou o partido político da vez.
No Brasil se relativiza o acesso à moradia, a violência no futebol e a ajuda de políticos e clubes para grupos de criminosos que se dizem torcedores. No Brasil se relativiza a liberdade de um órgão autônomo para tomar decisões quando essas decisões não agradam o governo.
Um sujeito muito esperto costumava dizer que “o mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade”.
O autor da frase é ninguém menos que Albert Einstein, o pai da “Teoria da Relatividade”.