Após o ato convocado por Bolsonaro para a Avenida Paulista, há uma expectativa grande sobre o uso desse capital político nas eleições municipais de 2024. Mas o impacto do ato, se tiver esse objetivo, é pequeno, para não dizer que é quase nulo.
Então, Bolsonaro não terá influência nenhuma em 2024? Terá, mas não da maneira que as pessoas imaginam.
Impossível
Eleições municipais são as disputas do: “quer ajudar, mande dinheiro”. Nacionalizar uma campanha municipal é missão quase impossível, caso você queira realmente vencer.
Para nacionalizar uma eleição municipal é preciso que o nível de satisfação dos habitantes daquela cidade esteja em 110%. Apenas quando não há qualquer problema na cidade, no bairro, no caminho para o trabalho, é possível derivar as pautas eleitorais para uma discussão ideológica.
Proximidade
A questão é que basta ter um buraco no trajeto até o trabalho, basta que o ônibus atrase, que o lixo não tenha sido recolhido um dia ou que o posto de saúde esteja há um mês sem pediatra para que o cidadão olhe para qualquer menção à nacionalização do debate como um “insulto”.
Na prática, se ninguém se propõe a tapar os buracos da cidade, de que adianta o candidato ser de Bolsonaro ou de Lula?
“Desnacional”
Essa questão foi levantada no programa Passando a Limpo da última segunda-feira (26), logo após o ato de Bolsonaro. Entrevistado, o cientista político Adriano Oliveira relatou pesquisas qualitativas que acompanhou e atestam essa “desnacionalização” dos embates municipais.
O interesse do eleitor é com o que acontece em sua comunidade e a briga entre Bolsonaro e Lula fica sempre em segundo plano.
“Vou ali perder”
Nacionalizar, para quem tem interesse em vencer a eleição não funciona porque atrai votos, mas também atrai rejeição.
E há quem dispute a eleição para não vencer? Sim, é muito comum. Nas eleições municipais, principalmente em cidades que têm emissoras de TV e, portanto, terão guias eleitorais e debates, participar mesmo sabendo que vai perder é uma maneira de levantar o próprio nome para a eleição seguinte, legislativa, tentando formar uma base mais sólida.
No Recife, por exemplo, isso vai acontecer. Em Caruaru também.
Bom palco
Em todas essas cidades, a chance de ocupar um tempo nos guias eleitorais e ter a oportunidade de antagonizar com os candidatos favoritos é uma chance de se promover para disputas posteriores. Nesses casos, vale a pena tentar nacionalizar a eleição.
O eleitor vai ver, por exemplo, Gilson Machado Neto (PL) empunhar a bandeira de Bolsonaro nas eleições do Recife e atacar João Campos como o “candidato de Lula”.
Base ampla
Gilson vai ganhar alguns votos e perder outros tantos por isso. O discurso nacionalizado em excesso, atraindo rejeição, deve fazer com que ele perca qualquer mínima chance real de ser prefeito.
Mas fazendo a defesa do ex-presidente o ex-ministro vai ampliar sua base para 2026 entre os bolsonaristas e, provavelmente, será um dos favoritos para deputado federal no campo da direita, quando tentar uma vaga no Congresso Nacional.
Gilson, é bom lembrar, já poderia ser deputado hoje, mas escolheu atender um pedido de Bolsonaro em 2022 e candidatou-se ao Senado. Teve mais de um milhão de votos, mas ficou de fora.
Lucro pouco é muito
Em Caruaru, Fernando Rodolfo (PL) deve cumprir esse papel de nacionalizar e defender Bolsonaro também. Mesmo tendo poucas chances de chegar à frente do atual prefeito Rodrigo Pinheiro (PSDB) e do ex-prefeito José Queiroz (PDT), o deputado federal não tem absolutamente nada a perder perdendo a eleição.
Na reeleição, em 2022, Rodolfo viu a votação em Caruaru, sua base, cair de 28.597 votos para 6.265 votos. Conseguiu seguir deputado por causa dos outros municípios, mas foi apertado.
Em 2024, com a exposição em Caruaru como candidato a prefeito, com guia eleitoral e debates, o mínimo que pode acontecer é ele melhorar a votação para 2026. Qualquer coisa já vai ser lucro.
Médio prazo
Por isso se diz que o investimento do PL em Bolsonaro (ele recebe mais de R$ 40 mil por mês, fora outros benefícios) é um projeto de quatro anos. Não é para ele fazer muitos prefeitos pelo país, é para garantir uma grande bancada federal em 2026 (porque esse é o parâmetro para que o partido ganhe mais dinheiro da Justiça Eleitoral).
O PL vai garantir muito dinheiro para seus candidatos municipais (o que importa) em 2024, tentar aumentar o número de prefeituras onde isso for possível, e usar Bolsonaro como impulso para ampliar a bancada nas eleições nacionais, dois anos depois.
Por enquanto
Isso, é claro, será o plano apenas enquanto ninguém for preso. Inclusive Bolsonaro e o presidente do partido, Valdemar Costa Neto.
O futuro dos bolsonaristas ligados ao ex-presidente anda bastante incerto nos últimos meses. Qualquer plano, nesse ambiente, já nasce precário.