José Gabriel Santos, 11 anos, está no 6º ano do ensino fundamental numa escola pública. Como milhares de crianças, adolescentes e jovens brasileiros, foi bastante afetado pela pandemia de covid-19, que obrigou escolas a suspenderem aulas presenciais por muito tempo.
Teve dificuldade em acessar as atividades remotas, o que prejudicou seu desempenho, sobretudo na leitura. O coronavírus agravou um problema, na educação pública nacional, que Pernambuco já enfrentava antes do vírus começar a impactar na rotina de alunos e professores: os déficits na aprendizagem.
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Quem assumir o comando do Estado, a partir de 2023, terá que colocar, como prioridade na agenda educacional, a melhoria da qualidade do ensino. Pernambuco é uma das referências, no País, na política de educação integral para o ensino médio.
Graças ao investimento nesse modelo, iniciado de forma experimental em uma única escola, em 2004, e que hoje chega a 578 colégios (67% das matrículas nessa etapa na rede estadual), o Estado melhorou seu desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Tinha média 2,7 em 2005 e subiu para 4,4, na rede estadual, em 2019, último ano em que o indicador de qualidade foi aferido pelo Ministério da Educação (MEC).
"Mas o Estado que está entre os melhores do Brasil no ensino médio ainda tem muito a avançar nos índices de aprendizagem, que são baixos. Pernambuco saiu da 17ª colocação no Ideb para a 3ª. Agora estar nessa posição não significa que garantiu o aprendizado de todos os alunos, infelizmente", ressalta a presidente executiva do Movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz. Acima de Pernambuco estão Goiás, com 4,7, e Espírito Santo, com 4,6. No País o Ideb é 3,9.
PORTUGUÊS E MATEMÁTICA
Apenas 38,2% dos concluintes do ensino médio aprenderam o adequado em português e 10,6% em matemática, em 2019, apesar de os percentuais serem superiores à média nacional (37,1% e 10,3%, respectivamente), conforme levantamento do Todos pela Educação, a partir de dados do MEC.
O recorte por rede de ensino mostra um cenário ainda mais preocupante: 73,3% dos alunos de escolas particulares alcançaram em 2019 aprendizagem adequada em português. Nas escolas públicas esse número era de 33,4%, ou seja, menos da metade do desempenho que os colegas da rede privada. Em matemática, a desigualdade persiste: 36% dos estudantes aprenderam o que deveriam ao final do ensino médio na escola particular, contra só 7,2% nos colégios públicos de Pernambuco.
No ensino fundamental, o desafio para assegurar a qualidade também será grande. Nas séries iniciais (1º ao 5º ano), Pernambuco ocupa a 20ª posição no Ideb, com média 5,1 (no País é 5,7). Nos anos finais (6ª a 9ª série) está na 13ª colocação, com nota 4,5 (no Brasil é 4,6).
Embora o ensino fundamental na rede pública seja prioritariamente responsabilidade das prefeituras, esses alunos ingressam na rede estadual quando alcançam o ensino médio. Ou seja: o investimento na qualidade precisa começar cedo e deve ser uma tarefa também assumida pelo próximo governador do Estado.
"O aluno que está no ensino médio na escola estadual na maioria das vezes veio da rede municipal. E o estudante, assim como sua família, não quer saber se é rede estadual ou municipal. A responsabilidade em garantir a qualidade é de todos", afirma Priscila.
REGIME DE COLABORAÇÃO
O Estado tem cerca de 2,2 milhões de estudantes na educação básica. Desse total, mais da metade, 1,3 milhão, estuda no ensino fundamental, segundo o Censo 2020 do MEC. Nas séries iniciais, as redes municipais respondem por 70,4% das matrículas. Nos anos finais, são 55,8% dos alunos em escolas municipais.
"É preciso olhar as desigualdades educacionais dentro de Pernambuco. Há cidades com muitas fragilidades no corpo técnico, na parte financeira. O governo do Estado deve ser o indutor de um regime de colaboração, coordenar ações para melhorar a educação pública", reforça o ex-secretário de Educação de Pernambuco e atual titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira, da Universidade de São Paulo (USP), Mozart Neves Ramos. "Com a governança do Estado acredito que será mais rápido vencer os atrasos educacionais provocados pela pandemia", complementa.
Mozart defende um diagnóstico nas redes para medir o atual nível de aprendizagem dos alunos, planejamento com ações a partir desses resultados e definição de conteúdos essenciais que os currículos não podem deixar de ter.
Atualmente, a rede estadual tem o Programa Monitoria PE, criado no final de 2021, justamente para ajudar estudantes com dificuldade de aprendizagem devido ao afastamento presencial da escola na pandemia. Quase 7 mil alunos são monitores de português e matemática. Ajudam os colegas do 9º ano do fundamental e do 3º ano do médio a entenderem os assuntos ministrados em sala de aula.
"A experiência exitosa no País, hoje, na colaboração entre Estado e municípios, é o Ceará. Pernambuco já deu o primeiro passo aprovando a lei que distribui uma cota do ICMS a partir de resultados da alfabetização. Mas tem que ir além. O governo estadual deve apoiar tecnicamente e mobilizar os prefeitos para garantir que desde a educação infantil haja qualidade. Que o aluno chegue no ensino médio fortalecido nessa aprendizagem", reforça a presidente do Todos Pela Educação.
ESTÍMULO À LEITURA
Aluno da Escola Estadual Rochael de Medeiros, localizada em Santo Amaro, área central do Recife, José Gabriel conseguiu avançar na leitura quando começou a participar, ano passado, de aulas de letramento ofertadas pelo Pró-Criança, organização não-governamental mantida pela Igreja Católica.
Nos dois últimos anos estudou numa escola municipal da capital. Ingressou esse ano na rede estadual. Em 2020 e 2021, para acompanhar as atividades remotas, no celular da mãe, por vezes usou a internet de vizinhos quando não havia crédito no telefone.
"Eu não entendia muito bem porque era aula online e não tinha como estudar bem direitinho. Não compreendia a matéria porque não lia. Não sabia bem as palavras. Mas depois das aulas do Pró-Criança melhorei, graças a Deus, estou lendo certinho", diz Gabriel. Estimulado pelo projeto, participou de um campeonato de leitura e ficou em terceiro lugar.
"Cada série que vai passando, se ele não aprende provavelmente vai prejudicar mais na frente. Acho que os professores deveriam acompanhar melhor os estudantes. Se quiser que o aluno seja comprometido, tem que começar pelo professor e pela escola. É igual na casa da gente. Quando a mãe quer que o filho seja comprometido com as coisas, é a mãe que deve dar o exemplo. Se o professor não dá o exemplo, por que o aluno vai se importar?", diz a mãe de Gabriel, Macivânia Rodrigues.
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