Reportagem atualizada em 1º de março
Há 17 anos, a merendeira Aline Ramos* é uma das responsáveis por manter os 534 mil estudantes que compõem as 1.059 escolas da rede estadual de Pernambuco bem alimentados. A comida que cozinha para eles, contudo, tem faltado em sua própria casa.
Ela é uma das 600 merendeiras do Estado e uma dos 20 mil terceirizados da Educação que não recebem o salário desde o início do governo Raquel Lyra (PSDB), junto a porteiros, vigilantes e auxiliares de serviços gerais.
Os números são do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Asseio e Conservação, Limpeza Urbana, Locação de Mão de Obra, Administração de Imóveis, Condomínios de Edifícios Residenciais e Comerciais do Estado de Pernambuco (Stealmoaic).
"Minha casa não tem mais nada. Não posso comprar em cartão porque estou devendo. Não tenho dinheiro para fazer compras. Não recebemos salário, ticket alimentação ou passagem de ônibus. Em janeiro, paguei minha própria passagem para não ficar sem trabalhar", contou Aline.
Por isso, nesta terça-feira (28), ela resolveu paralisar as atividades junto a outros colegas de trabalho, a pedido do Sindicato dos Empregados e Empresas Prestadoras de Serviços, Asseio Conservação de Jaboatão, Cabo, Ipojuca e Moreno em Pernambuco (Sindprest).
"É inadmissível a pessoa ter que arcar com a locomoção até o trabalho. Para todos os trabalhadores que não receberam o salário e a passagem, a paralisação está decretada", pediu um dos integrantes do Sindprest por meio de mensagem de voz enviada a um grupo que reúne a classe.
Diante das violações de direito, o Stealmoaic denunciou o caso ao Ministério Público do Trabalho de Pernambuco (MPT-PE) e ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
No mesmo dia, o presidente do Sindicato, o vereador Rinaldo Júnior (PSB), protocolou um ofício no Palácio do Campo das Princesas solicitando uma audiência com a governadora Raquel Lyra (PSDB) para tratar do assunto. Até agora, entretanto, não recebeu uma resposta.
O parlamentar alegou que o problema "não é falta de dinheiro, é falta de gestão". "Segundo os empresários, não tem quem ateste as notas fiscais dos salários, porque quem fazia isso eram comissionados que foram exonerados", explicou.
As merendeiras do Estado são vinculadas à empresa Servitium e pagas com um salário mínimo, de R$ 1.302, fora ticket alimentação e vale transporte. "Há dois anos estamos com a Servetium, que nunca atrasou até agora", disse Aline.
Sem merenda, as escolas têm o funcionamento também interrompido, já que, para diversas famílias de baixa renda, a alimentação fornecida na unidade educacional é uma das únicas do dia. Por isso, foi relatado ao JC que muitas trabalhadoras continuam dando expediente mesmo sem receber por isso.
"A gente está trabalhando mesmo sem receber. Se a gente não for, é descontado do salário que a gente nem recebeu", contou a merendeira Lívia Nunes*, que tem dependido da ajuda de familiares para pagar as contas básicas: "minha irmã me deu dinheiro e eu comprei água e pão."
"A situação está horrível. Tem colegas minhas pegando dinheiro emprestado com agiota. Outra foi socorrida na cozinha porque passou quando a filha ligou e disse que o rapaz estava cobrando o aluguel na porta de casa, dando prazo para desocupar", relatou.
Na Voz do Leitor, deste JC, o leitor Franklin Santos também fez uma denúncia contra os atrasos. "Transição de governo não justifica isto. E a merenda é exígua em diversidade, com reclamação de alunos e pais. O medo de retaliação inibe denúncias junto à Superintendência da Justiça do Trabalho", defendeu.
SALÁRIO DE JANEIRO FOI PAGO
Após a publicação desta reportagem, sindicatos informaram que os pagamentos referentes ao mês de janeiro começaram a ser feitos - entre a terça (28) e esta quarta-feira (1º) - às merendeiras. Contudo, ainda não caíram em suas contas os auxílios-alimentação e transporte.
Por isso, a orientação do sindicato que representa as merendeiras de Jaboatão, Cabo, Ipojuca e Moreno é de que todas sigam em paralisação, por ainda não terem recebido o valor das passagens de ônibus para se locomover até o trabalho.
"Acredito que pagaram, só que o ticket e passagem são pagos geralmente em boleto e tem que ter a compensação. Porém, enquanto essa compensação não houver, a paralisação continua, porque sem passagem, o trabalhador não tem como se deslocar até o trabalho", disse Rodrigo Braytiner, assessor administrativo do Sindprest.
As demais classes continuam sem receber, de acordo com o Stealmoaic.
Resposta do governo do Estado
A Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco (SEE) informa que os pagamentos referentes ao mês de janeiro de algumas empresas terceirizadas responsáveis pela contratação de merendeiras já foram devidamente regularizados. "Outros estão em fase de regularização. Cabe exclusivamente às contratadas o repasse de todos os direitos dos funcionários (como vale-transporte), incluídos contratualmente e pagos integralmente pela gestão estadual".
"O fluxo de pagamentos está seguindo o processo normal previsto nos contratos. A administração esclarece que, cumprindo os trâmites ordinários da inauguração de um exercício fiscal na administração pública, a programação financeira para pagamentos do corrente ano foi liberada em 28 de janeiro, a partir de quando se permitiu às unidades gestoras o registro de notas de empenho de serviços efetuados este ano. Sublinhe-se que, atentos a essa previsibilidade, todos os contratos das empresas terceirizadas preveem esse intervalo (90 dias), não sendo justificável atraso nos repasses aos respectivos funcionários".
Por fim, a pasta diz que, de acordo com informação da Secretaria da Fazenda, a Educação iniciou a atual gestão com R$ 224 milhões de Restos a Pagar referentes a 2022 e que todos os esforços estão sendo empenhados no sentido de regularizar as dívidas acumuladas pela gestão passada.
*Para preservar a identidade das trabalhadoras, os nomes das personagens foram alterados nesta matéria.
Comentários