São Paulo (SP) - Com o tema "Que sociedade queremos? O jornalismo de Educação no debate nacional", o 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, realizado nos dias 18 e 19 de setembro, pela Jeduca, trouxe ao centro dos debates discussões sobre a educação antirracista, a violêcia nas escolas e a cobertura midiática nos casos de ataques, além do papel da educação na transformação da sociedade.
O evento foi sediado na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), no campus Liberdade, em São Paulo. Entre os destaques da programação, a mesa "Educação antirracista: a voz preta na história", a mediada por Renata Cafardo, jornalista e presidente da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), mostrou a importância do olhar afrocentrado para falar sobre a formação histórica de países como o Brasil e os Estados Unidos.
Criadora do "The 1619 Project", lançado em 2019, a jornalista estadunidense Nikole Hannah-Jones explicou que existe um receio de apresentar às crianças e jovens estadunidenses a versão mais sincera da história americana.
No ensaios apresentados nesse projeto, Nikole pontua como os negros americanos movimentaram as ideias revolucionárias de liberdade no passado, mas diante da escravidão como modelo basilar para o desenvolvimento do país norte-americano estão ligadas a desigualdades raciais modernas.
"Muitos cidadãos e jornalistas negros e brancos nos Estados Unidos pensaram que depois do Obama passamos a viver numa democracia racial. Como se, a o eleger um presidente negro, teríamos suspendido nosso passado racista. Mas, na verdade, o Obama não foi eleito pela maioria branca, mas pelos latinos, asiáticos e negros, que votaram em peso, que assustou a base de Trump", apontou Hannah-Jones.
O The 1619 Project, está como finalista do Emmy 2023, e serviu de inspiração no Brasil para outro projeto jornalístico: Projeto Querino. Lançado em 2022, a série de podcast produzida pela Rádio Novelo, busca mostrar a historiografia brasileira pela perspectiva dos africanos e seus descendentes.
Para o coordenador do projeto Querino, Tiago Rogero, o Brasil é um estado de apartheid, embora não queiram admitir e de uma forma muito mais complexa que nos Estados Unidos. "Nosso apartheid nunca foi por meio de leis, mas ele está posto. Ynaê [Lopes, historiadora e consultora do Projeto Querino] sempre fala que o Brasil nunca precisou de leis segregacionistas, que a segregação se dá na prática", afirmou Rogero.
Os palestrantes destacaram a importância dessa compreensão da historiografia política e socioeconômica do país, sob o olhar afrocentrado, para que o racismo seja discutido e combatido com responsabilidade, principalmente diante de episódios lamentáveis como o assassinado de George Floyd e de mãe Bernadete.
VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
O enfrentamento da violência nas escolas também foi debatido em algumas mesas, durante a programação do Congresso da Jeduca. Na era da informação o papel da mídia na cobertura dos ataques a escola também reflete no grau de impacto do chamado "efeito contágio",a partir do momento que os veículos de comunicação se posicionam em não dar detalhes sobre os agressores e os casos.
No Brasil, de 2001 até este ano, foram registrados 34 ataques em escolas, sendo 15 unidades estaduais, 13 municipais e seis escolas particulares. Outro dado levantado é que 56,25% dos ataques aconteceram entre fevereiro de 2022 e junho de 2023.
Os dados fazem parte da pesquisa "Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos", coordenado pela professora do departamento de psicologia educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Telma Vinha, e que será lançado no mês de outubro.
A especialista da Unicamp identificou que o perfil dos agressores indica problemas psicológicos, histórico de bullying e associação com ideias de intolerância, como homofobia, racismo e discursos de ódio. Por isso, Telma Vinha destacou ser importante que a cobertura jornalística possa abranger o ambiente escolar.
Junto com a cientista de dados americana Sherry Towers, elas trouxeram análises sobre a recorrência desses ataques durante a mesa “A cobertura dos ataques às escolas e o efeito contágio”, mediada pela vice-presidente da Jeduca e repórter da Agência Brasil, Mariana Tokarnia. “De 20% a 30% dos tiroteios em escolas nos Estados Unidos acontecem devido ao contágio. E o período de contágio é de aproximadamente duas semanas”, afirmou.
Sherry rememorou o caso conhecido mundialmente como o Massacre de Columbine, que resultou em 15 mortes e ocorreu em Denver, nos Estados Unidos, no ano de 1999. Na época, a mídia forneceu todo o roteiro a respeito do criminoso, as roupas e armas utilizadas, como o ataque foi planejado. Comparado aos casos ocorridos no Brasil, é possível perceber a repetição de um padrão, avaliou a cientista. Ele citou especificamente os casos ocorridos na escola de Suzano, em São Paulo, e o caso de Realengo, no Rio de Janeiro, em 2011.
Para Sherry Towers, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, é preciso ter investimentos com um foco maior na vigilância, saber se os alunos se sentem seguros, se estão com problemas dentro e fora da escola, atuando em comunidade. “Violência, pânico e medo, podem ser contagiosos, como sociedade podemos ter fé, esperança e amor”, afirmou.
As pesquisadoras consideraram as recomendações da Jeduca, adotada por vários veículos de comunicação do país, em não informar o nome dos agressores e nem detalhes dos ataques, um processo de autorregulação da mídia louvável e importante para conter o efeito contágio.
Anúncios para Educação
O ministro da Educação, Camilo Santana, participou da abertura do segundo dia do 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca e fez anúncios importantes para a área. Dois projetos de lei estão prestes a serem encaminhados para Casa Civil e, em seguida, serão enviados ao Congresso Nacional.
Um dos projetos tem como objetivo conter a evasão escolar, cuja incidência maior se dá no período do ensino médio. Diante disso, o Ministério da Educação quer criar uma "bolsa permanência" para os alunos da rede pública de ensino possam concluir os seus estudos.
“É uma espécie de bolsa para o ensino médio, uma forma de auxílio para ajudar na permanência, a partir de experiências internacionais e também do Brasil”, disse o ministro. No entanto, ainda não foi detalhado qual seria esse valor e nem se a bolsa vai contemplar todos os alunos do ensino médio.
Camilo Santana informou também que as modificações para o Novo Ensino Médio estão prontas e que a expectativa é de que o projeto de lei possa ser protocolado na Câmara dos Deputados ainda neste mês.
"Está sendo entregue para a Casa Civil e estou aguardando o presidente Lula voltar [da viagem aos Estados Unidos], para apresentar as mudanças para ele", destacou o ministro, afirmando ainda que as mudanças não devem ser implementadas em 2024, só a partir do ano seguinte, em 2025.
O ministro da Educação explicou que entre as alterações propostas no projeto está o aumenta da carga horária da formação geral para 2.400 horas e o fortalecimento do ensino técnico. "Uma das melhores opções para o ensino médio, é garantir não só uma escola em tempo integral, mas a capacitação, a formação desses jovens", afirmou Santana.
Outra mudança prevista no texto diz respeito aos itinerários informativos, que serão transformados em percursos, mais restritos e definidos pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).
Sobre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023, o ministro deu indicativos de que ele não será alterado até 2024, mesmo com a expectativa de que as mudanças do Ensino Médio sejam aprovadas ainda neste ano. "Nós não vamos mudar o Enem agora, nem nos próximos anos. Vamos deixar a discussão através do novo Plano Nacional de Educação (PNE) que será feito", pontuou Camilo Santana.
Para ouvir a opinião de quem está diretamente ligada a essas propostas, a Jeduca trouxe alunas para participar da mesa "Novo Ensino Médio: O que pensam os jovens". Para a estudante Maria Luiza da Silva Vasconcelos, aluna do 2º ano da Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Antônio Inácio, do município de Feira Nova, em Pernambuco, o modelo em vigência funciona bem no papel.
"No papel, o novo ensino médio é uma maravilha. A ideia é que fosse um ensino mais dinâmico e que o aluno tivesse opção de traçar sua trilha, mas na prática, isso não ocorre. Para o ensino médio melhorar, tem que melhorar a estrutura das escolas. Tem uma deficiência na merenda escolar, por exemplo. As aulas não estão atrativas. Vai haver um retrocesso na educação. A gente vai voltar à época em que só os estudantes da classe alta entravam nos cursos superiores", criticou a estudante.
*A titular da coluna Enem e Educação, deste JC, viajou a convite da Fundação Telefônica Vivo