Um dos principais desafios do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) não se refere apenas ao acesso destes alunos às salas de aula, mas à permanência deles até a conclusão dos estudos. Esse cenário reforça a discussão sobre a conexão entre as ações de fortalecimento dessa modalidade de ensino com a realidade destes jovens.
No Brasil, 9,6 milhões de jovens com 15 anos ou mais - o que representa 5,6% da população do país - não sabiam ler ou escrever em 2022. Outro dado que chama atenção é que mais da metade da população acima dos 25 anos não concluiu o ensino médio - ou seja, 69,5 milhões de brasileiros não terminaram os três anos finais da educação básica. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em Pernambuco, a Secretaria de Educação e Esportes (SEE) está ofertando neste ano, 18 mil vagas para a Educação de Jovens e Adultos. O ano letivo da rede pública estadual começa nesta segunda-feira (5), mas a procura por essas vagas ainda é considerada baixa. A expectativa, segundo a Gerente de Políticas Educacionais de Jovens, Adultos e Idosos, Jeane Lima, é que os interessados comecem a procurar as escolas após o período do Carnaval.
“Nós atendemos jovens, adultos e idosos, então eles não têm a facilidade de entrar no sistema para fazer a matrícula. Então eles vão na própria escola fazer a chamada ‘matrícula de balcão’ e só a partir de 15 de fevereiro vamos ter uma noção de quantas vagas foram efetivadas”, explicou a gente.
Jeane Lima destacou que o programa Juntos pela Educação possui uma meta para a EJA, que é a oferta de 34 mil novas matrículas até 2026 - incluindo vagas nas turmas de EJA Campos, Quilombola e Indígena. “Ano passado, nós percebemos que um número grande de alunos se matricularam no EJA, mas eles foram desistindo dos estudos ao longo do caminho. Então, a Secretaria de Educação ampliou o programa Busca Ativa para as turmas de EJA”, afirmou Jeane.
No programa, um egresso da modalidade que more na comunidade próxima a escola e que tenha o perfil para ser monitor, é selecionado para ajudar na busca ativa por esses jovens e adultos que não concluíram os estudos. Os monitores trabalham quatro horas por dia fazendo o mapeamento e escuta das demandas destas pessoas para conscientizá-las da importância de voltar para a sala de aula e não desistirem da educação como caminho de melhoria da qualidade de vida.
SEM DESISTIR DOS SONHOS
A cabeleireira e manicure Cintia Maria da Silva, 36 anos, mora no município de Palmares, na Mata Sul do Estado. Ela tinha 16 anos e estava no 1º ano do ensino médio quando precisou interromper os estudos porque tinha engravidado e, por outras questões pessoais, acabou sendo impedida de retornar.
Hoje, Cintia se emociona ao falar sobre a importância de não ter desistido do seu sonho e comemora não só o fato de ter concluído o ensino médio no ano passado, mas de ter uma nova meta: se inscrever no Enem 2024 para poder fazer o curso de Direito.
“Eu tinha esse chamado e queria muito terminar os meus estudos. Depois de um ano e dois meses do meu primeiro filho, eu engravidei novamente, então foi aí que pesou e vi que não poderia mais voltar naquele momento. Só que nunca perdi a vontade de voltar para a escola, porque eu sei que a educação é um caminho para um futuro melhor”, afirmou.
Mesmo diante dos impedimentos que foram surgindo ao longo dos anos, Cintia Maria sempre buscou priorizar a educação dos seus filhos. “Sempre coloquei no coração deles que realmente você tem que estudar, tem que acreditar. Eles são o meu orgulho, minha filha passou na UFPE e o meu filho fez a prova para a Polícia Militar”, contou.
E foi a partir do momento que viu que os filhos estavam no caminho certo, a cabeleireira criou coragem para voltar para a sala de aula. Encaixar os estudos à noite após uma rotina corrida de trabalho, que começava de manhã cedo, não foi fácil.
Cintia disse que o apoio dos professores e gestores da Escola Professor José Eliseu Pereira de Melo, foi fundamental nestes dois anos. Agora, orgulhosa de sua trajetória, ela se tornou monitora do programa Busca Ativa e procura inspirar outras pessoas da sua cidade para também concluírem essa etapa importante da vida escolar.
AÇÕES DE INCENTIVO
No Estado, o Programa Investe Escola Pernambuco (PIEPE), que já disponibilizou R$ 101 milhões para serviços de infraestrutura das unidades de ensino, agora tem também como enfoque a aplicação dos recursos na Educação de Jovens e Adultos.
Os estudantes da turma EJA passam a ter, financeiramente, um valor igual ao do estudante de escola técnica e de escola integral, o que representa em um aumento de 10% dos valores iniciais às escolas que ofertam a modalidade e são contempladas pelo programa.
O Trilha TEC também será disponibilizado para o aluno da EJA TEC. "Nossa ideia é que nessas trilhas, o aluno já estude a disciplina do curso técnico que ele escolheu. Então ele vai fazer o seu ensino médio nesse um ano e meio e concomitante com o curso técnico. Estamos fazendo o levantamento das escolas e do perfil para cada curso porque temos o EJA Campo, EJA Quilombola e o EJA indígena também, cada um com suas especificidades", explicou Jeane Lima.
Outra ação vista como ferramenta para impulsionar e incentivar a permanência destes estudantes nas escolas, é o programa Pé-de-Meia do governo federal. O incentivo financeiro-educacional é voltado para estudantes de 14 a 24 anos de idade matriculados no ensino médio regular da rede pública e para os estudantes de 19 a 24 anos de idade matriculados na Educação de Jovens e Adultos. O acesso aos recursos será disponibilizado ao longo do ensino médio, à medida que os estudantes forem cumprindo os requisitos. As parcelas referentes à conclusão, no entanto, só serão pagas ao final do ensino médio, fazendo com que o estudante precise se formar para receber esse recurso.
RECIFE TEM OFERTA DE TRÊS MIL VAGAS
A Secretaria de Educação do Recife disponibilizou para este ano, cerca de três mil vagas para turmas da Educação de Jovens e Adultos. Atualmente são 103 escolas com turma de EJA espalhadas em todas as regiões administrativas da cidade. Segundo o chefe da Divisão da EJA do município, Bruno Oliveira, muitas dessas vagas ainda estão ociosas também na capital.
“Estamos na expectativa porque uma parcela desses estudantes de EJA procuram as escolas depois do Carnaval. Após a pandemia, o nosso desafio é pensar sobre o que podemos fazer para atrair essas pessoas para que elas possam enxergar a educação como forma de transformar suas vidas”, afirmou o gestor.
No ano passado, as secretarias de Educação e de Trabalho e Qualificação Profissional formaram uma parceria e ofertaram através das escolas profissionalizantes da Prefeitura, turmas específicas para os estudantes de EJA. “Temos feito campanhas dentro dos conselhos que temos, como da Igualdade Racial, da Pessoa Idosa, da Juventude, para que possamos chegar lá na ponta e que os estudantes possam estar retornando”, disse Bruno Oliveira.