Universidades discutem padronização dos protocolos de heteroidentificação para cotas raciais

Seminário realizado pelo MEC servirá para buscar soluções para a heteroidentificação, visando melhorar a eficácia das ações afirmativas

Publicado em 30/07/2024 às 14:04 | Atualizado em 30/07/2024 às 14:12

Com o objetivo de aprimorar a eficácia das "ações afirmativas na modalidade de reserva de vagas", o Ministério da Educação (MEC) realizará um seminário nos dias 7 e 8 de agosto em Brasília. O evento reunirá representantes das universidades federais para avaliar como essas instituições têm implementado as políticas de cotas raciais.

Durante o seminário, serão apresentados estudos que mapeiam a dinâmica das comissões de heteroidentificação nas universidades. O MEC pretende discutir a possibilidade de uniformizar a operacionalização desses processos.

A comissão é encarregada de validar a autodeclaração dos candidatos que disputam as cotas raciais. Essa equipe avalia se os candidatos aprovados no processo seletivo para as vagas reservadas para pessoas negras apresentam características fenotípicas compatíveis com a identidade de pessoa negra, assegurando assim que tenham realmente direito a essas vagas.

 Para o Diretor de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professor Ernani Ribeiro, que participará do seminário, a iniciativa do Ministério da Educação "é muito pertinente, especialmente considerando que vivemos em um país continental e os processos de heteroidentificação enfrentam diversas particularidades".

"Estabelecer uma métrica e um protocolo que nos ajudem a compreender toda a diversidade envolvida nesse processo contribuirá para reduzir as subjetividades na identificação fenotípica dos candidatos durante a avaliação da heteroidentificação", explicou o professor, em entrevista à coluna Enem e Educação.

Segundo Ribeiro, a expectativa é que as discussões e a troca de experiências sobre práticas bem-sucedidas auxiliem as comissões de heteroidentificação em diferentes estados a avançarem em seu papel.

"Um dos maiores desafios que enfrentamos nas comissões é o processo de formação continuada. As comissões têm uma validade de dois anos, podendo ser prorrogadas por mais dois na UFPE. Nosso desafio é manter a formação e a pesquisa contínuas, além dos treinamentos, para garantir a integridade dos processos e assegurar que os candidatos sejam atendidos da melhor forma possível", concluiu o docente.

Fragilidades da Autodeclaração

Responsável pela Coordenação de Políticas Afirmativas, Diversidade e Inclusão (CPADI) e presidente da Comissão Institucional de Heteroidentificação da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), o professor Éverton Souza chama a atenção para a importância dessas comissões como um instrumento de justiça social.

"A Lei de Cotas vigente no Brasil desagrada uma parcela da população, especialmente a mais conservadora, no sentido de frear essas mudanças sociais necessárias. Por outro lado, ela representa um instrumento de justiça social, garantindo que as vagas reservadas sejam, de fato, destinadas às pessoas beneficiadas pelas políticas", pontuou.

O professor acredita que o seminário será uma excelente oportunidade para que as instituições federais de ensino superior compartilhem suas experiências e reflitam sobre como transmitir à sociedade uma visão mais clara sobre o papel das comissões de heteroidentificação.

"As comissões são reconhecidas como importantes e necessárias, uma vez que a autodeclaração por si só é falha devido à possibilidade de fraude", ressaltou Souza. Um exemplo de fraude passiva, segundo o docente, é quando uma pessoa não faz jus à vaga porque não é socialmente reconhecida como negra, mesmo que possua uma identidade cultural ou tenha ascendência negra.

Já a fraude ativa, como Éverton costuma chamar, ocorre quando uma pessoa não negra tenta obter a vaga do sistema de cotas sabendo das fragilidades da autodeclaração.

"O maior desafio é lidar com a diversidade que gera perspectivas diferentes a partir de cada ponto de observação no Brasil. Imagine o que é uma pessoa reconhecida como negra na região Norte, no Pará, por exemplo, onde há uma miscigenação muito forte com povos indígenas e africanos, e compare com o que ocorre no Rio Grande do Sul ou no Recôncavo Baiano, uma das regiões mais negras do Brasil. São perspectivas bem diferentes sobre o que é a negritude", afirmou o presidente da Comissão Institucional de Heteroidentificação da Univasf.

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