Desafios do Recife: as perspectivas para o acesso e qualidade na Educação Infantil e Especial

Reportagem compõe série do Jornal do Commercio sobre os desafios para quem estará à frente da capital pernambucana a partir de 1º de janeiro

Publicado em 10/08/2024 às 23:50 | Atualizado em 11/08/2024 às 13:09

Garantir o acesso à Educação Infantil é um dos principais desafios para as gestões municipais em todo o país. O Plano Nacional de Educação (PNE), cuja vigência foi prorrogada até 31 de dezembro de 2025, estabelece a meta de alcançar pelo menos 50% de matrículas em creches para crianças de 0 a 3 anos. Além de garantir as vagas, é crucial oferecer uma educação de qualidade, o que inclui a redução dos índices de analfabetismo, o fortalecimento da educação inclusiva e a diminuição da evasão escolar no ensino fundamental.

Em 2023, de acordo com dados do Censo Escolar, a rede pública de ensino do Recife tinha 21.188 alunos matriculados na Educação Infantil — sendo 7.636 em creches e 13.522 na pré-escola (4 e 5 anos). No Ensino Fundamental, são 52.984 alunos nos Anos Iniciais e 14.382 nos Anos Finais.

Apesar dos avanços, o Recife ainda enfrenta desafios significativos que devem ser prioridade para o futuro prefeito ou prefeita a partir de 2025. Investir na Primeira Infância (0 a 6 anos) com intervenções de qualidade pode aumentar a escolaridade e o desempenho profissional no futuro, além de reduzir custos com reforço escolar, saúde e sistema de justiça penal. Esses investimentos também têm efeitos intergeracionais, melhorando níveis de escolaridade, emprego, saúde e reduzindo a participação em atividades criminosas.

Karina Fassom, gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV), destaca que o grau de institucionalização da política de primeira infância no Brasil ainda é baixo. "Embora a lei de 2016 exija planos municipais de primeira infância, poucos municípios têm orçamento específico para essa área e conseguem estimar esses gastos. Portanto, ainda há um déficit na estruturação dessas políticas", afirma Karina, em entrevista à coluna Enem e Educação. 

No Recife, o Plano Municipal para a Primeira Infância (PMPI) foi instituído desde 2020, contemplando ações e planejamentos integrados às áreas de educação, saúde, assistência social, habitação e segurança social.

A FMCSV inclusive, neste ano, elaborou seis recomendações para que a população de 0 a 6 anos seja priorizada nas políticas públicas municipais. Uma das recomendações chama atenção para a dimensão étnico-racial. 

"É importante os municípios conhecerem as suas populações vulnerabilizadas e entenderem o quanto há um cruzamento de vulnerabilidade social com marcadores étnico-raciais para poderem priorizar a promoção da equidade em todas as políticas, considerando também as especificidades de determinadas populações em alguns contextos, como por exemplo populações quilombolas, indígenas e etc, e ter a questão da equidade racial como estruturante para todas as políticas de primeira infância", pontuou a gerente de Políticas Públicas.

Investimentos Contínuos

Neste ano, o Programa Infância na Creche resultou em um aumento significativo no número de vagas. Em 2020, havia 6.439 vagas de creche, e atualmente há 14.297 estudantes matriculados nessa etapa, representando a criação de 7.858 novas vagas. Para a pré-escola, o número de vagas passou de 13.224 em 2020 para 17.392 neste ano.

O promotor de Justiça Salomão Abdo Aziz Ismail Filho, da Promotoria de Justiça de Educação da Capital do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), destaca a importância de a próxima gestão continuar os avanços, buscando zerar a fila de espera para creches e pré-escola, que atualmente conta com cerca de 3.800 crianças.

“Esse é um problema histórico, um problema estrutural. As demandas são muito altas e houve também uma questão importante, que atingiu não só a Educação Infantil, mas o ensino fundamental, nos últimos anos houve um aumento na procura de pais cujo os filhos estavam na rede particular e passaram para a rede pública de ensino. Essa é uma procura que acontece inclusive no âmbito da educação especial e inclusiva”, pontuou Salomão Filho, em entrevista à coluna Enem e Educação.

No caso do ensino fundamental, a Secretaria de Educação do Recife informou que não há intercorrências resultantes de falta de vagas. No entanto, o promotor de Justiça faz um alerta pertinente sobre os investimentos na construção e requalificação das escolas. Ele também destacou que é essencial que a gestão municipal se comprometa assegure a alfabetização na idade certa. 

“Como foram criadas muitas vagas na educação infantil na atual gestão, também em um futuro próximo vai haver um reflexo disso a partir do primeiro ano do ensino fundamental, quando essas crianças que hoje estão na educação infantil passarem para a próxima etapa de ensino. Importante que a gestão não deixe que cresça a fila na educação fundamental”, destacou Salomão Filho.


MARCOS PASTICH/PCR IMAGEM
A Rede Municipal de Ensino do Recife possui uma lista de espera para a etapa de creche de cerca de 3.800 crianças - MARCOS PASTICH/PCR IMAGEM

Educação Especial: Avanços e Necessidades

Garantir o acesso à Educação Especial é outro desafio crucial. O PNE visa a universalização da educação básica para crianças e adolescentes com deficiência, mas essa meta ainda está longe de ser totalmente alcançada. Problemas como infraestrutura inadequada e a falta de formação especializada para professores e auxiliares são recorrentes.

Atualmente, a rede de ensino do Recife conta com 8.791 estudantes matriculados com deficiências ou transtornos.

"A inclusão dessas crianças é desafiadora; não basta ter a vaga e a professora, é necessário contar com outros profissionais para atender às diversas necessidades", afirmou Jaqueline Dornelas da Silva, coordenadora geral do Sindicato Municipal dos Profissionais da Rede Oficial de Ensino do Recife (Simpere).

Embora a coluna Enem e Educação tenha solicitado informações sobre a quantidade de alunos sem o devido acompanhamento, não obteve resposta. A Secretaria de Educação do Recife informou que, "com o objetivo de garantir acesso e permanência para todos os alunos com deficiência, foi instituída, em 30 de janeiro de 2023, a Política Pública de Educação Especial Inclusiva".

Essa política inclui o aumento do número de Agentes de Apoio ao Desenvolvimento Escolar Especial (AADEEs) e de professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE). AADEEs auxiliam os estudantes com deficiência em suas atividades escolares, enquanto o AEE é um serviço complementar realizado por um professor especializado no contraturno, garantindo um atendimento individualizado.

“Faltam cerca de mil AADEEs para acompanhar os professores e oferecer suporte nas áreas de locomoção, higiene e alimentação para as crianças com comprometimento de autonomia”, disse Jaqueline Dornelas da Silva.

Um levantamento do Instituto Rodrigo Mendes revela que apenas 3% dos docentes no Recife possuem formação especializada em Educação Especial, uma taxa inferior à de capitais como Aracaju (SE) e São Luís (MA), com 6% e 4%, respectivamente. 

Hoje, são 246 salas de Recursos Multifuncionais nas escolas e creches municipais do Recife. Mas, em termos de acessibilidade, o Censo 2023 mostra que apenas 52,5% das escolas da rede municipal  possuem rampas, 39,8% têm corrimãos e 73,2% têm banheiros adaptados. É essencial continuar a melhoria das condições para garantir um ambiente inclusivo e acessível para todos os estudantes.

 

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