Do currículo à sala de aula: a necessidade de adaptar a formação de professores

Educadores e especialistas em educação estiveram reunidos no evento "Transformação Digital na Educação: Desafios e Tendências", promovido em São Paulo

Publicado em 02/10/2024 às 15:52 | Atualizado em 02/10/2024 às 15:54

São Paulo (SP) - A tecnologia, especialmente após as experiências vividas durante a pandemia da covid-19, transformou a vida dos professores. No entanto, ainda existem muitos obstáculos em relação à formação desses profissionais no Brasil, especialmente na inserção das tecnologias como ferramentas pedagógicas. É fundamental que os educadores se tornem agentes capazes de desenvolver integralmente as crianças, utilizando o universo tecnológico que está à disposição.

No debate sobre "Inteligência Artificial na sala de aula: o que muda na profissão do professor", realizado durante o evento "Transformação Digital na Educação: Desafios e Tendências", promovido pela Fundação Telefônica Vivo nesta terça-feira (1º), em São Paulo, educadores e especialistas discutiram como a forma de ensinar precisa estar alinhada às competências digitais.

A diretora-presidente da Fundação, Lia Glaz, acredita que as ferramentas tecnológicas, a exemplo da Inteligência Artificial, pode ser um fator importante para impulsionar a humanização da educação, quando ela integra novos conhecimentos aos estudantes, professores e a sociedade como um todo, às transformações que estão ocorrendo de forma global. 

"O que estamos discutindo é a importância de enxergar o professor como um profissional e de prestar atenção em sua formação, assim como se faz com a formação de um médico. Desde a formação inicial até a formação continuada, é essencial refletir sobre o que será esse profissional do futuro diante de tantas transformações, principalmente aquelas que não estão mais apenas nos livros e já fazem parte do nosso dia a dia", disse.

 

Desafios tecnológicos

O que é preciso considerar quando falamos sobre a formação de professores na era da inteligência artificial? A diretora de pós-graduação do Instituto Singularidades, Barbara Born, afirmou que esses desafios provocam um problema que não surgiu com a inteligência artificial nem com as demais ferramentas tecnológicas existentes.

"Já não formamos professores para os desafios da sala de aula há muito tempo. Não é como se tivéssemos, há 20 anos, formado professores prontos para aquele espaço, e agora eles enfrentam esse superdesafio", disse. Ou seja, Barbara destaca um problema estrutural que não é restrito ao Brasil: cursos que não dialogam com o exercício profissional.

No entanto, esse movimento digital acaba por exigir uma nova perspectiva sobre o currículo escolar, que já apresentava problemas específicos. "Quando falamos da formação inicial de um professor e construímos esse diálogo com a tecnologia, a inteligência artificial e outros elementos, é fundamental que o professor esteja preparado para guiar as crianças em suas individualidades e em suas interações com os pares, para que possam desenvolver um repertório que lhes permita navegar pelo mundo", avaliou.

Esse mundo envolve uma visão crítica e a resolução de problemas, em meio as desigualdades territoriais. A professora de matemática da rede estadual de São Paulo, Lourdes Navarro, conversou um pouco sobre como tem se dado esse processo de aceleração digital na formação dos docentes.

"Quando falamos da formação do professor, ele esta exposto a uma formação de pessoas totalmente diferentes, porque temos a diversidade em todos os aspectos tanto na economia, como no socioemocional, no social, então a gente não consegue fazer um processo individual  que atenda a toda essa diversidade e a gente precisa passar um processo que tente pelos abarcar algumas especificidades para elas não nos escaparem", pontuou Navarro. 

Ela destacou ainda que o ambiente escolar ainda está vivendo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e já há um novo currículo com base nas competências digitais, que coloca a tecnologia dentro da sala de aula de uma outra forma. E como falar sobre isso quando ainda há dificuldades de conectividade em lugares mais afastados, e as famílias ainda passam pelo processo de acesso. 

Realidade brasileira 

A Inteligência Artificial e todo o movimento tecnológico que a acompanha precisam ser analisados à luz das realidades existentes no Brasil. Em relação a como apoiar professores e estudantes diante de tantas vulnerabilidades, o professor visitante de Educação na Harvard Graduate School of Education, Seiji Isotani, enfatizou a importância de repensar a maneira como podemos desenvolver tecnologias inteligentes, utilizando a IA, para atender a essa população.

"Um conceito que temos criado e disseminado é o de Inteligência Artificial Desplugada. Esse conceito se refere à capacidade de desenvolver tecnologias que funcionem em regiões onde a internet é intermitente, a eletricidade é quase inexistente e os professores carecem de habilidades digitais", afirmou Isotani, que também é professor de Ciência da Computação e Tecnologia de Aprendizagem na USP.

 

Um dos exemplos dessa "Inteligência Artificial Desplugada" é o auxílio oferecido aos professores na avaliação de textos, especialmente nas redações. "Analisamos dados de escolas de todo o Brasil e de outros países e identificamos que 90% das escolas brasileiras têm, pelo menos, uma pessoa com um celular bom o suficiente para tirar uma foto. Por outro lado, muitas escolas não têm internet disponível para alunos e professores, mas em algum local próximo é possível acessar a rede. Portanto, são duas condições que podemos utilizar", explicou Seiji Isotani.

Com essa estrutura mínima, o professor envia a foto da redação e recebe um relatório que o ajuda a aprimorar suas práticas pedagógicas. "Isso aumenta a capacidade do professor de atender melhor os alunos em um tempo adequado. Da mesma forma que aplicamos esse método para redações, podemos fazê-lo em matemática, biologia e outras disciplinas", afirmou.

No entanto, a preparação dos professores vai além da estrutura; ela deve estar focada nas competências e em como essas habilidades são traduzidas em sala de aula. As escolhas curriculares impactam diretamente a conexão entre alunos e professores, pois são elas que orientam as estratégias que possibilitam aos estudantes o acesso ao conhecimento.

Segundo Lia Glaz, não é possível imaginar um professor que não possua letramento digital. "A Fundação vem atuando de forma intensa em um tema central para nossa estratégia: a formação em competências digitais para professores. Fazemos isso de duas maneiras. Primeiro, temos uma plataforma chamada Escolas Conectadas, que oferece conteúdos de fácil aplicabilidade para os docentes, todos gratuitos. Em segundo lugar, um aspecto fundamental da nossa atuação é a parceria com estados e municípios para desenvolver políticas que coloquem a formação em tecnologia no centro da formação continuada dos educadores", disse a diretora-presidente da Fundação Telefônica Vivo em conversa com a coluna Enem e Educação.

*A titular da coluna Enem e Educação viajou a convite da Fundação Telefônica Vivo

 

Tags

Autor