Por que Bolsonaro resiste à ideia de parada geral na economia

O presidente acredita que decretar calamidade pública é uma porta para se livrar de uma acusação de impeachment por gastar mais com a crise ou legalmente errado
Fernando Castilho
Publicado em 18/03/2020 às 11:40
Foto: AFP


Por Fernando Castilho, do JC Negócios.

O presidente Jair Bolsonaro está absolutamente certo de que seu governo corre risco efetivo se a economia parar. Teme que a chamada “voz rouca das ruas” não esteja do seu lado quando os efeitos dessa parada acontecer - provavelmente entre junho e agosto – e que sua milícia digital já não esteja mais do seu lado neste momento.

Mesmo sem dizer que não sabe “nada de economia” e se escorar no seu “Posto Ipiranga”, o presidente conhece a história de antecessores de dentro do Congresso. Até porque estava lá.

Isso pode explicar o comportamento errático na abordagem ao problema da covid-19 também em relação a economia. Isso, é verdade, o empurra perigosamente para buscar ancoragem numa realidade paralela. E isso, também, o leva a atrapalhar as ações de quem já incorporou a situação e que exige dela ações de apoio à ideia de enfrentar a crise, sabendo que a economia pode chegar a ter crescimento negativo.

O problema é que o presidente já foi longe demais na sua interpretação e, por estar certo de suas verdades, agora parte para pressionar os que pensam diferente. O ministro Paulo Guedes - que leu os relatórios do BC e viu as curvas dos modelos matemáticos ali rodados – sabe disso.

O seu discurso de ministro da Economia o obriga a liderar a força de tomada das ações que reduzam o estrago. Mas sabe que os números mostrados pelo presidente do BC, Roberto Campos, são inquietantes. Mas Paulo Guedes sabe que essa é sua missão no governo, manter o moral alto. Ao menos da boca para fora.

Isso também pode explicar a irritação do presidente como o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Médico, político e experiente em gestão, Mandetta viu que tem que alarmar mesmo pois, se aliviar, o brasileiro vai aproveitar a ordem de ficar em casa para ir à praia e fazer churrasco na laje. Para quem está com a mãe na fila do SUS com diagnóstico de câncer, o coronavírus é quase nada.

Mas o covid-19 já está precificado do ponto de vista médico. O que o ministro faz é uma política de redução de danos mirando não colapsar o SUS. Esse é o foco central. E para isso que defende que a economia terá que hibernar.

O problema do presidente é que ele decide rápido, com poucas informações e age por impulso. E tende a ser influenciado pelas suas emoções. Bolsonaro chama isso de feeling político pelo tempo que passou na Câmara.

Daí porque a ideia de decretar calamidade pública para ele é uma porta para se livrar de uma acusação de impeachment por gastar mais ou legalmente errado. Na sua cabeça, o decreto lhe dá um “Salvo Conduto” legal para atuar do jeito que bem entende. Daí seus alertas de que a economia não pode parar pela histeria da nova doença.

Mas ele terá que se render aos fatos. E quem vai pressioná-lo não é o exército de apoiadores digitais que estão dispostos a resistir nos teclados de seus smartfones.

Quem pode ameaçar, de fato, seu governo são os mais de 42 milhões de trabalhadores na informalidade — cerca de 41% do total de ocupados. Serão essas pessoas que até votaram nele, mas que podem passar a ficar sem qualquer renda com o avanço de um sistema mais rígido de quarentena que começarão a pressionar por ações do seu governo.

Isso explica por que Bolsonaro está falando mecanismos que injetar dinheiro aos beneficiários do Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e todos os demais programas sociais herdados dos governos do PT. É nesse contingente que ele mira.

Por uma dessas ironias da política, Bolsonaro e sua equipe econômica liberal terão que se valer desses cadastros para injetar o dinheiro que pode garantir a sustentação do seu governo. Porque para os aposentados, beneficiários do BPC e pessoas com deficiência ele não faz nenhum favor ao lhe dar mais dinheiro. Esse é um direto seu conquistado pela Constituição de 1988.

Esse público - que nunca reconheceu que essa foi uma conquista no Governo de José Sarney que a implantou - não vai achar que Bolsonaro lhe deu uma ajuda salvadora numa hora de crise.

LEIA MAIS TEXTOS DA COLUNA JC NEGÓCIOS

TAGS
Bolsonaro Covid19 Congresso Nacional
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory